sexta-feira, 19 de junho de 2020

Coronavírus: o que sabemos sobre a cloroquina em crianças e gestantes

O Ministério da Saúde divulgou uma nova recomendação sobre o tratamento da Covid-19, doença causada pelo novo coronavírus (Sars-Cov-2), na qual estendeu o uso de cloroquina e hidroxicloroquina — em conjunto com a azitromicina — para crianças e gestantes. A orientação vale para casos leves, moderados e graves.

No público infantil, o documento diz que esses medicamentos só devem ser receitados para os pacientes com fatores de risco para complicações, como obesidade, diabetes, hipertensão, asma grave.

Já todas as grávidas infectadas, em qualquer período da gestação, poderiam recorrer a hidroxicloroquina ou cloroquina, segundo a diretriz. A recomendação vale também para puérperas até duas semanas após o parto. Lembrando que a utilização dos medicamentos fica a critério dos médicos.

A decisão do Ministério da Saúde não é ancorada em evidências científicas sólidas sobre o coronavírus. E ela vai na contramão de medidas adotadas por outras entidades e de recomendações de sociedades de pediatria.

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A U.S. Food & Drug Administration (FDA), agência reguladora de remédios nos Estados Unidos, revogou a permissão de uso emergencial da cloroquina em infectados pelo novo coronavírus devido à falta de evidências científicas da sua eficácia e por causa dos potenciais efeitos adversos. Já a Organização Mundial da Saúde (OMS) voltou a suspender estudos com a droga.

A Sociedade Brasileira de Pediatria (SBP), por sua vez, havia se posicionado antes do novo anúncio do Ministério da Saúde de forma contrária à indicação do medicamento. E reiterou essa posição em mais um comunicado, como resposta à recomendação do governo.

A entidade reforça que não há evidências consistentes e reconhecidas na literatura médica sobre a cloroquina e a hidroxicloroquina como tratamento da Covid-19 em menores de idade.

O perigo da cloroquina para crianças

“A gente não se sente confortável em embasar uma recomendação rotineira de algo que desconhecemos as consequências e que pode até trazer danos”, comenta o pediatra Marco Aurélio Sáfadi, presidente do Departamento Científico de Infectologia da SBP.

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O especialista lembra que a cloroquina traz conhecidos efeitos adversos, como arritmia cardíaca. “Se a utilizarmos sem dados amparados por comitês de ética e estudos controlados, estaremos oferecendo um risco para meninos e meninas”, pontua o pediatra.

Em adultos, os estudos mais robustos até o momento falharam em mostrar benefícios da cloroquina no cenário da Covid-19.

Existe risco para as grávidas?

O ginecologista Ricardo Porto Tedesco, da Federação Brasileira das Associações de Ginecologia e Obstetrícia (Febrasgo), explica que a hidroxicloroquina já faz parte da terapia do lúpus, uma doença autoimune que atinge vários órgãos, em gestantes. Nessas situações, o benefício da medicação parece superar os riscos, mesmo entre as grávidas.

“Apesar de passar pela barreira placentária e chegar à circulação fetal praticamente nos mesmo níveis sanguíneos da circulação materna, até o presente momento ela não demonstrou um efeito nocivo ao feto”, complementa Tedesco, que é membro da Comissão Nacional Especializada em Assistência ao Abortamento, Parto e Puerpério da Febrasgo.

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Porém, o especialista reconhece que o número de mulheres com lúpus que engravidam é baixo. Ou seja: o remédio é pouco usado nessas situações. “Não se conhece a manipulação em larga escala nas gestantes. A segurança que a gente possui é baseada em uma avaliação restrita, e não em grandes estudos clínicos randomizados, que é o que se faz para indicar uma droga”, pondera o ginecologista.

No início de junho deste ano, a Febrasgo publicou uma nota que aborda a utilização da hidroxicloroquina em futuras mães infectadas pelo Sars-Cov-2. Veja um trecho: “Vários estudos buscam estabelecer um tratamento específico para a Covid-19, entre eles os antimaláricos (cloroquina e hidroxicloroquina), antibióticos, corticosteroides, antivirais, tocilizumabe, ivermectina, nitazoxanida, plasma de convalescentes de Covid-19, heparinas entre outras, mas não existem evidências científicas suficientes para indicação formal de qualquer uma dessas terapias na gestação”.

Na época da publicação do documento da Febrasgo, o próprio Ministério da Saúde considerava a gravidez uma contraindicação absoluta para a prescrição da hidroxicloroquina.

“Esse remédio tem mostrado complicações, como graves arritmias cardíacas, e isso não está descartado em gestantes. O uso mais abrangente eventualmente levaria a ocorrência de situações que a gente desconhece”, afirma Tedesco. “O medo é de que esse aval do Ministério da Saúde gere um uso indiscriminado da substância. Nós vemos isso com bastante preocupação”.


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