quarta-feira, 11 de novembro de 2020

Vacina russa para Covid-19 alcança eficácia de 92% em avaliação preliminar

A vacina Sputnik V, desenvolvida pelo Centro Gamaleya, estatal russa, demonstrou eficácia de 92% em prevenir a Covid-19 em análises preliminares. Pelo menos é o que afirma um comunicado à imprensa da entidade, nos moldes do anúncio feito recentemente pela Pfizer. Ou seja, sem a disponibilização de detalhes para a comunidade científica.

Segundo o texto, a eficácia foi averiguada em uma análise interina dos primeiros 20 voluntários incluídos no estudo de fase 3 que pegaram Covid-19. A maioria dos infectados estava no grupo placebo e não no que de fato recebeu o imunizante – a diferença foi de 92%. Este tipo de avaliação é feito antes da conclusão da pesquisa e, em situações graves como a de uma pandemia, até pode ser utilizado para solicitar a aprovação emergencial de uma vacina.

O problema: para dar credibilidade ao resultado, o número mínimo de infecções necessárias para começar a análise interina deve constar no protocolo do estudo desde o início. No caso da Sputnik V, ele não está disponível ao público. Pfizer, Moderna e AstraZeneca foram as únicas farmacêuticas a compartilharem os detalhes de suas pesquisas de vacinas contra a Covid-19.

Esse imunizante do Centro Gamaleya foi o primeiro a ser aprovado de maneira emergencial no mundo. Isso ocorreu ainda em agosto na Rússia, porém sem apresentar quaisquer informações sobre os estudos de fase 3. E é só quando essa etapa acaba, com dezenas de milhares de voluntários, que é realmente possível atestar eficácia e segurança de uma fórmula. Na ocasião, a liberação gerou críticas da comunidade internacional.

O desempenho da vacina Sputnik V, segundo o comunicado

O que estamos vendo agora é justamente uma prévia dos resultados da fase 3. No material à imprensa do Centro Gamaleya, é dito que mais de 16 mil pessoas receberam as duas doses da vacina, que usa uma tecnologia semelhante à desenvolvida pela Universidade Oxford, em parceria com a AstraZeneca. Ou seja, um pedaço do Sars-CoV-2 é inserido em um vetor viral (um adenovírus inofensivo), que é então injetado no corpo. Isso para o sistema imune reconhecer essa parte do coronavírus e, então, atacá-lo.

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A diferença é que a Sputnik V utiliza dois tipos de adenovírus, ambos circulantes em humanos. A fórmula desenvolvida pelos ingleses recorre a um só, advindo dos chimpanzés. Em teoria, a estratégia russa pode reduzir o risco de que uma eventual resistência do organismo contra o adenovírus atrapalhe a resposta à partezinha do Sars-Cov-2 escondida ali. A fase 3, prova final dessa teoria, pretende envolver 40 mil participantes em diversos países, como Venezuela e Emirados Árabes Unidos.

Nas aplicações feitas até agora, nenhum efeito adverso não esperado foi identificado. Algumas pessoas (a quantidade exata não foi divulgada) tiveram reações leves e curtas, a exemplo de dor local e sintomas gripais como febre, fraqueza, fadiga e dores de cabeça. A pesquisa continua até que os 40 mil voluntários sejam vacinados e o número de infectados pré-determinado seja atingido.

O Centro Gamaleya garantiu que irá publicar os dados preliminares da fase 3 em “uma das principais revistas médicas internacionais” e que, ao fim do estudo, “fornecerá acesso ao relatório completo do ensaio”. Os resultados de fase 1 e 2 estão disponíveis em artigo no periódico The Lancet. Até agora, há dados publicados de testes com 76 voluntários nas fases 1 e 2, mais os 20 infectados na análise interina da fase 3. A título comparativo, a vacina de Oxford incluiu mais de mil indivíduos na fase 2, e a da Pfizer divulgou sua análise interina com 64 casos confirmados de Covid-19.

Só vale ressaltar que as comparações entre as vacinas ainda têm pouca aplicação prática. No fim das contas, o que valerá mesmo é a conclusão da fase 3. Ou ao menos a divulgação da íntegra dos dados para apreciação de cientistas não envolvidos com o desenvolvimento do imunizante. Esse, aliás, é outro ponto fraco do anúncio da Sputnik V. A análise interina foi realizada pelo próprio Gamaleya – no caso da Pfizer, um comitê independente examinou os dados.

A vacina russa pode chegar ao Brasil?

O governo do estado do Paraná firmou parceria para trazer os testes da Sputnik V para esse lado do globo, mas ainda não submeteu o protocolo para as autoridades de saúde nacionais. O contrato também garante a fabricação da vacina no país. Já a Bahia fez acordo para comercializar 50 milhões de doses em território nacional.

Os russos afirmam ter recebido pedidos de compra de mais de 1,2 bilhão de doses por 50 países. Os acordos com parceiros internacionais permitirão a produção de outras 500 milhões de doses ao ano fora da Rússia. Mas tudo depende, é claro, da aprovação da vacina e dos resultados fase 3.

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Bem-vindo abacaxi! Conheça o rei dos frutos que abençoa nossa digestão

Olha que deliciosa coincidência marca o lançamento desta coluna. Parece até sorte de estreante. Não bastasse aparecer entre as primeiras palavras do dicionário — e a ideia aqui é brincar com o ABC para falar sobre inúmeros alimentos —, o abacaxi também representa boas-vindas.

Muito antes das caravelas europeias aportarem em terras americanas, os indígenas já colocavam o vegetal na entrada das moradias para receber os visitantes. Era um símbolo de acolhimento e amizade.

Diz-se que alguns estrangeiros adotaram o costume em suas casas. Nobres passaram a oferecer a iguaria como sinal de hospitalidade. Em mesas bem mais simples, e passados séculos e séculos, surgiu em forma de jarra plástica com aquele toque de aconchego, de casa da vó.

O abacaxi também já foi visto como ícone de riqueza. Daí que, em tempos coloniais, o fruto exposto na fachada refletia prosperidade. Inclusive, quem passeia sem pressa pelas ruas do centro histórico de Paraty, no Rio de Janeiro, dificilmente deixa de notar um sobrado antigo, todo adornado com figuras geométricas e uma porção de abacaxis sobre suas grades superiores.

Ao que tudo indica, foram os guaranis que domesticaram a espécie. Diante do sabor e da beleza, esses povos quiseram tê-la sempre por perto e assim começaram a cultivá-la. O abacaxizeiro tem sua origem no centro do Brasil e do Paraguai. Dali começou sua viagem pela América Central, alcançou o México e as Antilhas e seguiu para alçar a fama do outro lado do oceano.

Seu nome também é obra dos índios. Deriva do tupi-guarani, onde “ibá” significa “fruto”, e “cati” quer dizer “cheiroso”. Ninguém contesta. O aroma apresenta propriedades sensoriais incomuns, dificilmente obtidas por síntese química. Substâncias de nomes complicados, caso dos ésteres alílicos, estão entre as principais responsáveis pelo perfume.

Para os botânicos, trata-se de uma infrutescência, ou seja, um agrupamento de frutos. Ele é composto por um conjunto de até 200 pequenas bagas carnosas e cada um desses gomos surge a partir de uma flor. Já a famosa coroa é um tufo de folhas. Ela serve, inclusive, como muda para o replantio.

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O formato encantou os estrangeiros. Basta ver a descrição do frei português Antonio do Rosário (1647-1704), autor de Frutas do Brasil, obra que mescla natureza e ensinamentos religiosos: “Nasce com coroa como rei; na casca, que parece um brocado em pinhas, tem a roupa real; nos espinhos, como arqueiros, tem a sua guarda; pelas insígnias reais com que a natureza o produziu tão singular, de grande e formosa estatura, tem a forma digna de império…”.

Reinado nutricional

Se a coroa torna o abacaxi a majestade dos frutos, uma substância muito particular contribui para ele ser considerado um alimento sui generis. É a bromelina. Está presente em toda a sua estrutura, com grande concentração no cilindro central e é exatamente por causa dela que aquele talinho pinica a língua de algumas pessoas mais sensíveis.

Esse ingrediente, na verdade uma enzima, tornou-se famoso por interferir com as proteínas, quebrando-as. Na dose certa, pode compor marinadas, atuando como amaciante de carnes. Só não vale exagero porque o efeito é potente e os bifes podem até desmanchar.

No nosso organismo, a bromelina colabora para a boa digestão. Uma sugestão é apreciar algumas fatias de abacaxi depois do churrasco.

Ainda que existam variedades mais doces, caso do Pérola, a acidez sempre estará presente. Sem dúvida uma marca registrada, que faz toda a diferença na culinária. Desde sucos e drinks, como o gringo piña colada, até pratos de peixes e frutos-do-mar, passando por bolos, geleias, caldas, cremes e sorvetes, o abacaxi passeia pelas mais diversas preparações, emprestando seus perfumes e sabores.

Também incrementa o cardápio com doses de fibras, aliadas do intestino, e ainda oferta minerais como o potássio, além das vitaminas A e C, entre outros guardiães da saúde.

Reza a lenda que uma variedade do abacaxi teria poderes afrodisíacos. Seria justamente aquele que dá em Irará, terra do mestre Tom Zé. Por isso o compositor baiano dedicou uma música ao fruto. A ciência não atestou tal façanha, mas, de qualquer maneira, vale saborear a canção.

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Vacina da Pfizer contra Covid-19: o que tirar do anúncio de alta eficácia

Do mercado financeiro aos laboratórios de pesquisa, o mundo comemorou a notícia dada pelas empresas Pfizer e BioNTech de que sua vacina contra a Covid-19 demonstrou mais de 90% de eficácia em análise preliminar da fase 3, a última etapa de testes antes da aprovação. O número indica uma alta capacidade de prevenir o coronavírus.

A notícia é promissora, mas o número foi divulgado antes de a pesquisa alcançar um limite mínimo de participantes infectados (o que é importante, como falaremos adiante). E não houve uma apresentação dos dados para a comunidade científica, que poderia esmiuçar os métodos e as estatísticas. “Basicamente, é um indício de meio do caminho, que confirma que estamos indo na direção correta”, explica Natália Pasternak, microbiologista e presidente do Instituto Questão de Ciência. Claramente isso não significa a aprovação da vacina.

Para que a eficácia de um imunizante qualquer seja comprovada, os pesquisadores e o fabricante estipulam um número mínimo de infectados que o estudo precisa atingir na fase 3, quando dezenas de milhares de voluntários recebem a vacina ou um placebo. Quando esse limiar é alcançado, um comitê independente, ao qual os experts que conduzem os testes não têm acesso, analisa os dados e vê quantos indivíduos que pegaram o coronavírus estavam no grupo placebo e quantos receberam a dose real.

“Esse número deve estar previsto no protocolo, e nos dá poder estatístico para dizer que o resultado está de fato certo, e não é apenas uma coincidência”, comenta a epidemiologista Denise Garrett, vice-presidente do Instituto Sabin. A eficácia da vacina da Pfizer será determinada pra valer quando ao menos 164 voluntários contraírem a Covid-19. O que está sendo divulgado agora é uma análise prévia, realizada com os 94 primeiros casos confirmados da infecção. E, de novo, esse número foi veiculado pela própria empresa, não por um artigo científico.

O estudo da vacina da Pfizer e BioNTech

Mais de 43 mil voluntários ao redor do mundo receberam duas doses da vacina até o dia 8 de novembro. Deles, 42% pertencem a etnias não-brancas  (a diversidade é um dos pontos positivos do trabalho). A análise dos primeiros 94 casos de Covid-19 concluiu que o número de infecções sintomáticas era 90% menor entre os que tomaram a vacina real.

A proteção foi verificada sete dias depois do recebimento da segunda dose e 28 dias após a primeira. Até agora, nenhuma reação adversa séria foi observada, mas a segurança só será realmente confirmada quando se passarem dois meses da aplicação da última injeção em ao menos metade dos participantes – marco que pode ser alcançado já na terceira semana de novembro.

A partir daí, se tudo der certo, a Pfizer solicitará a aprovação da vacina em caráter emergencial ao Food and Drug Administration Agency (FDA), órgão que controla o setor farmacêutico nos Estados Unidos. O mesmo deve ocorrer com a Anvisa e outras autoridades regulatórias no mundo.

A comunidade científica pede ainda outras informações, como sobre a capacidade de o imunizante impedir a transmissão (não só a manifestação de sintomas), de evitar casos especialmente graves e por aí vai. Só a continuidade dos estudos responderá a essas e outras questões.

Resultados da vacina impactam mercado financeiro

A fabricante se comprometeu a enviar, assim que possível, o material completo da pesquisa fase 3 para publicação em periódicos científicos. Aliás, esse é outro ponto de atenção: o resultado positivo foi anunciado via comunicado de imprensa, uma prática que se tornou mais comum durante a pandemia, dada a urgência do interesse público (e comercial) no assunto.

“Mas, quando você adota essa estratégia, o ideal é disponibilizar os dados para a comunidade científica avaliar o que eles realmente representam, porque estamos agora com a palavra da companhia, que tem um investimento enorme em jogo”, destaca Denise. “Estamos bastante otimistas, mas cautelosos”, completa.

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Como a Pfizer foi uma das três grandes farmacêuticas a abrirem seus protocolos de pesquisa em detalhes (junto com Moderna e AstraZeneca), a expectativa é de que o resultado se confirme. “Mesmo que, ao atingir 164 infectados, os 90% caiam um pouco, ainda assim será maior do que os 50% que estávamos esperando”, completa Denise.

Com a boa nova, o valor das ações da Pfizer subiu 8% nos Estados Unidos. As da BioNTech, parceira da farmacêutica, tiveram alta de 16% na bolsa de Frankfurt, na Alemanha. As empresas já disseram que não têm planos de realizar acordos de transferência de tecnologia, mas sim comercializar as doses aos países interessados.

Primeira vacina de material genético

Caso aprovada, a vacina da Pfizer será a primeira de seu tipo entre todas as infecções. Sua estratégia é utilizar o RNA mensageiro – a parte do código genético responsável por transmitir as informações do vírus para as células humanas. Nesse caso, a receita para fabricar apenas uma parte do novo coronavírus, a proteína S.

O método é considerado uma revolução na maneira de fazer vacinas. “Ele é rápido, barato e simples, com alto rendimento de doses por litro e alta capacidade de adaptação na fórmula, caso ocorra alguma mutação significativa no Sars-CoV-2”, explica Natália.

Não é preciso sequer manipular o vírus vivo no laboratório – basta adquirir seu código genético e copiá-lo. “É muito bonito de ver essa estratégia, que pode beneficiar a luta contra outros vírus, sendo testada com sucesso em humanos”, comenta a microbiologista.

Vacina de mRNA não altera o DNA

Por ser uma novidade, é natural que a tecnologia suscite dúvidas e acabe sendo tema da onda de notícias falsas que bombam na internet. As vacinas de mRNA e DNA (outra técnica que usa o material genético) foram acusadas de alterar o código genético humano e tornar as pessoas mais suscetíveis a doenças – em algumas teorias da conspiração, até de “apagar” o gene responsável pela crença religiosa.

A segurança da nova estratégia ainda está sendo avaliada, mas essa história de alteração genética não preocupa em nada os cientistas. O RNA injetado é rapidamente lido e degradado no citoplasma das células humanas, longe do núcleo, onde ficam bem guardados nossos genes, e não tem a capacidade de “conversar” com o nosso DNA.

A vacina da Pfizer virá para o Brasil?

Pergunta ainda sem resposta. Primeiro porque não há negociações em andamento com o governo brasileiro. Em nota, a farmacêutica afirma que ofereceu ao Ministério da Saúde uma proposta atualizada de fornecimento que permitiria imunizar “milhões de brasileiros”, mas ainda não obteve resposta.

A vacina precisa ainda ser armazenada em temperaturas muito baixas, de até 70ºC negativos. “Isso dificulta a distribuição fora das grandes capitais do Brasil, onde não temos essa infraestrutura disponível”, destaca Natália. Para contornar o problema, a Pfizer desenvolveu uma tecnologia para manter a vacina armazenada em freezer normal por até dez dias.

Por fim, a concorrência será grande. A Pfizer anunciou que pretende produzir 50 milhões de doses até o final de 2020 e até 1,3 bilhão em 2021. De acordo com levantamento realizado pela Bloomberg, mais de 280 milhões já foram negociadas com outros países, sendo Estados Unidos e Japão os maiores compradores.

Além da vacina em questão, em breve teremos resultados de outras que estão avançadas nos estudos, como a da AstraZeneca/Oxford, e a Coronavac, ambas testadas no Brasil. Por ora, é esperar para ver quando isso acontecerá.

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terça-feira, 10 de novembro de 2020

Brasileiro descuida do coração na pandemia do coronavírus

Os brasileiros passaram a cuidar menos do coração durante a pandemia da Covid-19. Essa é a principal revelação do estudo realizado pelo Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD), com apoio da empresa Edwards Lifesciences, para a campanha “Unidos pelo Coração”.

A pesquisa acende o sinal vermelho especialmente por duas razões. Os cardíacos estão entre os pacientes que mais sofrem de complicações quando infectados pelo coronavírus. E, a despeito da Covid-19, as doenças cardiovasculares já se inserem entre as principais causas de morte no Brasil.

Para entender se os brasileiros estavam atentos ao coração, foram ouvidas em agosto 2 mil pessoas, numa amostra representativa e proporcional da população brasileira e com margem de erro de 2 pontos percentuais nos resultados. Mais da metade dos entrevistados (52%) afirmaram que deixaram de procurar ou evitaram, ao máximo, algum tipo de atendimento médico por causa do novo vírus. O medo de contágio e o temor de aglomerações foram citados como os principais motivos para deixar de lado a consulta médica.

Essa é uma atitude de alto risco. Independentemente da pandemia, dados da Sociedade Brasileira de Cardiologia (SBC) indicam que, diariamente, uma média de mais de 1 100 brasileiros vão a óbito por conta de problemas do coração e circulação. São números muito próximos da mortalidade por Covid-19 registrada no Brasil em julho, o mês mais crítico da pandemia, com médias diárias superiores a 1500 mortes.

O cruzamento dessas duas informações permite, também, supor a possibilidade ainda maior de subnotificação de casos de pessoas que, na pandemia, efetivamente padeceram de algum problema de coração e, ainda assim, evitaram procurar o médico.

Dos entrevistados pela pesquisa, 18% dos brasileiros tiveram sintomas típicos de doenças cardiovasculares, como dor no peito ou dormência no braço. Entretanto, 26% dessas pessoas sintomáticas retardaram quanto puderam a busca por atendimento médico e 24% delas simplesmente deixaram de procurar o hospital. Tudo por medo de contágio. Podemos imaginar, assim, que uma parcela considerável dos brasileiros tenha convivido calada com doenças novas ou pré-existentes, basicamente por receio de contrair o coronavírus ao sair de casa para fazer consultas ou exames.

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É ainda mais grave pensar essa realidade para as doenças cardiovasculares, cujo sucesso no tratamento é garantido com o alerta e a prevenção precoces e contínuos. Tal peculiaridade e o fato de cardiopatias estarem entre as comorbidades que mais acentuam o quadro grave de Covid-19 deveriam levar o brasileiro a se preocupar mais com a saúde do coração.

Em vez disso, a pesquisa do IBPAD descobriu que 67% dos entrevistados mudaram pouco ou moderadamente suas atitudes em relação à prevenção de doenças cardiovasculares. Até era esperado que os mais jovens fossem, disparadamente, os mais displicentes nesse sentido. Mas não foi o que revelou o estudo. Mesmo entre os entrevistados mais velhos, nas faixas de 45 a 59 anos e dos maiores de 60 anos de idade, o percentual de abandono dos cuidados não muda muito e ficou entre 67% e 64%, respectivamente.

A falta de cuidado e atenção dos brasileiros em relação às doenças cardiovasculares, infelizmente, é um mau hábito antigo e não restrito ao período da pandemia. A nova pesquisa mostra que as doenças cardíacas preocupam apenas 22% dos brasileiros, pouco mais da metade da porcentagem da primeira colocada no ranking, o câncer (47%). Também aponta que aproximadamente quatro em cada dez brasileiros sequer fizeram alguma consulta ao cardiologista na vida. E, entre quem já foi alguma vez a esse profissional, 60% disseram que a consulta ocorreu há mais de um ano.

Acrescenta-se ao cenário o fato de que muitas doenças cardiovasculares são ignoradas pela maioria dos brasileiros. Por exemplo, as doenças estruturais do coração, como o estreitamento da válvula aórtica, são desconhecidas por 85% do público.

Os robustos resultados revelados na pesquisa para a campanha “Unidos pelo Coração” exigem um olhar cuidadoso da comunidade médica, dos tomadores de decisão e das autoridades públicas de todos os poderes. É irrefutável: o país, que ainda luta para superar a Covid-19, sofre silenciosamente de doenças do coração.

* André Jácomo é diretor de pesquisa do Instituto Brasileiro de Pesquisa e Análise de Dados (IBPAD)

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Pesquisa aponta cinco grandes tendências na alimentação dos brasileiros

Depois de se debruçar sobre mais de 83 mil posts e quase 20 mil matérias publicadas na internet, uma pesquisa realizada pelo BHB Foods e Suplementos, plataforma da consultoria Equilibrium Latam, e pela Decode, braço de inteligência de dados do grupo BTG Pactual, ilumina cinco grandes tendências na alimentação de parcela expressiva dos brasileiros. A análise, concluída em outubro deste ano, contempla conteúdos e menções feitos em redes sociais como Instagram e sites como Google News e YouTube.

O levantamento aponta movimentos entre os consumidores e a indústria alimentícia cada vez mais enraizados no país e que prometem crescer nos próximos anos. São eles: a ascensão da dieta plant-based, a procura por produtos clean label, a preferência pela proteína como ingrediente, o equilíbrio entre alimentação saudável e momentos indulgentes e o uso de suplementos.

O movimento plant-based

O termo em inglês faz referência a um cardápio mais baseado em vegetais. É uma das tendências em expansão lá fora e ganha força no Brasil. Abriga sob seu guarda-chuva adeptos do vegetarianismo e do veganismo, que vetam produtos de origem animal, mas também os flexitarianos, que procuram reduzir o consumo de carne e priorizar os vegetais.

Só no YouTube, segundo a pesquisa, o volume de visualizações de vídeos sobre dietas plant-based cresceu três vezes nos últimos sete anos — são mais de 900 mil views em 2020. “A sociedade está cada vez mais convencida de que, além de olhar para a própria saúde, precisa pensar na sustentabilidade. Muitas pessoas percebem que não é só a sua dieta que está em jogo, mas todo um sistema para alimentar o planeta“, avalia a nutricionista Carolina Godoy, diretora de transformação digital da Equilibrium Latam.

É dentro dessa proposta que, atentos inclusive às recomendações de estudos e especialistas, mais brasileiros passam a limitar o espaço da carne e de outros alimentos de origem animal, e abrir o prato e a despensa a frutas, legumes, verduras e produtos feitos com vegetais.

O estudo mostra que o interesse pelo veganismo decolou 941% nos últimos oito anos e cresceu a busca no Google por receitas como bolo vegano. O vegetarianismo também está na onda, com buscas se elevando em 20%. Nas redes sociais, o tema ainda vem cercado de dúvidas e emoções como revolta e satisfação. “Também precisamos lembrar que ser vegetariano não significa automaticamente ter uma alimentação mais saudável. Tem gente que muda o padrão alimentar, mas acaba ingerindo muito açúcar ou gordura”, pondera Carolina.

O apelo do clean label

Mais uma expressão gringa que tomou conta dos consumidores e da indústria de alimentos. Ao pé da letra, quer dizer “rótulo limpo”. “Ainda não há uma definição exata do que isso representa do ponto de vista regulatório. A ideia geral é a de um produto com menos ingredientes, sem aditivos como corantes e conservantes“, conta a diretora da Equilibrium.

O clean label traduz um sentimento em alta nos mercados: a busca por alimentos mais naturais e menos manipulados. Faz sentido: estudos associam o consumo excessivo de alimentos industrializados (sobretudo os ultraprocessados) a maior risco de obesidade, diabetes e outras doenças crônicas.

Eis uma tendência inclusive nos consultórios dos nutricionistas. “Fizemos uma pesquisa com esses profissionais e descobrimos que o aspecto mais determinante para a prescrição dos alimentos é a sua lista de ingredientes”, revela Carolina. É a máxima do quanto menos, melhor.

Segundo o trabalho da Decode e do BHB, o Brasil já é a terceira nação no ranking das que mais buscam por “clean label” na internet.

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Dá-lhe, proteína!

Não é de hoje que, entre os macronutrientes ela é a queridinha do público, deixando carboidrato e gordura a ver navios. As pessoas ligam o ingrediente a mais saciedade e músculos, pra começo de conversa. “A proteína já é culturalmente absorvida como algo que ajuda a ter saúde e boa forma”, nota a nutricionista.

No Google, mostra o levantamento, abundam buscas que remetem a esse universo: dieta à base de proteína, proteína de soja, ovo, whey protein… Mas o volume de visualizações de vídeos sobre o assunto no YouTube caiu 90% nos últimos quatro anos. Sinal, acredita Carolina, de que o tema já não é novidade para o brasileiro.

Ainda assim, a indústria não para de lançar produtos estampando na embalagem a quantidade ou o incremento de proteína. Barrinha, achocolatado, sopa… Praticamente tudo pode ser enriquecido com a vedete dos macronutrientes.

A pesquisa constata que as pessoas também caçam fontes proteicas alternativas, o que pode ter a ver justamente com o movimento plant-based. Com menos gente comendo produtos de origem animal, ganham evidência receitas à base de leguminosas, conhecidas no setor pelo termo “pulses” (lentilha, ervilha, grão-de-bico e companhia).

A doce indulgência

Outra tendência examinada pelo estudo é a dos chamados alimentos indulgentes. A corrente também tem nome em inglês mais famosinho: comfort food. A ideia aqui é recorrer ao alimento como uma fonte de prazer. Vale uma bomba de chocolate, um hambúrguer ou aquela receita caprichada de lasanha da vovó.

“Com a pandemia, observamos um aumento na procura por receitas saudáveis mas também de pratos mais gourmets”, diz Carolina. O desafio aqui é conciliar um cardápio balanceado com esses momentos abertos a alimentos gostosos, mas um tanto desequilibrados do ponto de vista nutricional.

No fundo, é questão de bom-senso. E, pelo que sugere o levantamento da Decode e do BHB, o brasileiro está cada vez mais antenado a isso: nos últimos três anos, cresceu a preocupação com produtos ultraprocessados e seus malefícios à saúde.

O boom dos suplementos

A venda desses produtos se ampliou na pandemia, com muita gente comprando vitaminas e afins em prol da imunidade. O levantamento, porém, focou em outra categoria que já vinha em ascensão e não deve parar: a dos suplementos esportivos.

Creatina, BCAA, maltodextrina, albumina e whey protein são os produtos líderes de audiência no meio digital — vídeos sobre eles somam quase 19 milhões de visualizações no YouTube entre 2012 e 2020. A maioria das pessoas quer saber na internet como usá-los (dose, horário, perfomance etc). E praticamente 60% está atrás deles para ganhar massa muscular. Entre os produtos que fazem sucesso no segmento fitness, chama a atenção a busca por snacks proteicos.

Embora a tendência possa refletir preocupação com o corpo, não deixa de despertar a atenção dos profissionais de saúde. “Muita gente vai atrás desses conteúdos e produtos sem procurar um nutricionista”, afirma a diretora da Equilibrium. A questão é que exagerar na dose ou ignorar a presença de doenças prévias pode levar a reveses — daí a sugestão de sempre falar com um especialista primeiro e não dar ouvidos a qualquer influencer por aí.

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O que significa a mutação do coronavírus em visons da Dinamarca

O primeiro-ministro da Dinamarca, Mette Frederiksen, anunciou ao mundo que o país detectou uma mutação do coronavírus que já teria infectado por lá cinco visons (animais que lembram doninhas) e 12 seres humanos. Especialistas observaram também que nossos anticorpos parecem ser menos sensíveis a essa nova cepa do vírus, o que pode representar um risco ao controle da pandemia. Inclusive porque o efeito protetor das vacinas em desenvolvimento poderiam não ser suficiente para conter essa variação mutante.

A Organização Mundial da Saúde (OMS) foi prontamente notificada e milhões de visons de fazendas de criação da Dinamarca serão abatidos para controle epidemiológico. Mas será que esses animais, e o patógeno que circula entre eles, significam um risco à população do planeta?

Para responder a essa questão, precisamos entender o comportamento de um vírus. Quando esse agente infeccioso passa para um hospedeiro que não está acostumado com ele, pode tanto ser eliminado quanto sofrer uma pressão seletiva para se sair bem — o que gera mutações que seriam selecionadas e replicadas naquela espécie. Assim, o novo vírus mutante pode simplesmente não se adaptar e desparecer ou, pelo contrário, ganhar força e infectar esse e outros animais.

Por esse motivo é que é tão importante monitorar as espécies com quem o Sars-CoV-2 já teve algum contato. Esse trabalho torna-se crucial para que situações como a detectada na Dinamarca sejam descobertas precocemente e controladas com critério e rigidez, evitando a potencial disseminação global de um novo vírus.

Grupos no mundo inteiro monitoram diferentes animais para entender melhor o comportamento do coronavírus entre as espécies. E controles sanitários e epidemiológicos rigorosos como os tomados pela Dinamarca são cruciais para que a população seja protegida de maneira eficiente.

Nesse sentido, cabe lembrar que animais domésticos como cães e gatos por enquanto não representam riscos de transmissão do novo coronavírus para a população humana. Os raros relatos de infecção nessas espécies foram praticamente assintomáticos e não houve descrição de contágio para seres humanos. Em todo caso, isso reforça a necessidade de os veterinários atuarem junto às autoridades sanitárias para estudar e captar qualquer fenômeno suspeito.

Esse é um trabalho que ocorre lá fora e por aqui. No Brasil, estudos de monitoramento envolvendo diferentes espécies estão em curso, como relatamos por aqui, o que demonstra um esforço e atenção para melhor entender e prevenir esta e futuras infecções. O momento atual requer, sim, cuidados extras, mas não pânico. Nunca tivemos na história da humanidade uma união tão grande entre cientistas e profissionais de diversas áreas com o objetivo comum de conhecer e vencer uma doença. Confiemos na ciência.

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segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Segunda onda de Covid-19 na Europa: devemos nos preocupar?

Embora no momento o Brasil apresente uma queda no ritmo de novos casos e mortes por coronavírus, a segunda onda na Europa está deixando algumas pessoas de cabelos em pé por aqui. Países como Bélgica, França, Inglaterra, Itália, Áustria e Alemanha já decretaram novas medidas sanitárias, fechamento de alguns estabelecimentos, toques de recolher… Há até lockdowns sendo impostos outra vez.

Em meio a tudo isso, um estudo de instituições espanholas e suíças mapeou uma mutação do Sars-CoV-2 que vem se espalhando pela Europa. Será ela a causa do recrudescimento da pandemia no Velho Continente? E, se não, o que está por trás disso? Vamos responder essas questões.

O coronavírus mutante e a segunda onda

Antes de tudo, é preciso ressaltar que a pesquisa que encontrou essa mutação ainda não foi publicada em qualquer revista científica. Logo, não passou pela revisão de cientistas independentes, algo considerado importante para validar suas descobertas.

No texto do artigo, os pesquisadores batizaram essa nova linhagem do coronavírus de 20A.EU1. Apesar de ter surgido na Espanha no verão de 2020 (que ocorre entre junho e setembro por lá), ela já foi encontrada em outros países europeus.

Mas atenção: essa não é a única cepa entre os novos casos da segunda onda. No país ibérico, ela de fato representa 80% das infecções atuais. Por outro lado, é responsável por não mais do que 10 a 20% dos casos sintomáticos em outras regiões.

“Ou seja, essa mutação está convivendo com outras, o que mostra que não trouxe tantas vantagens ao vírus”, conclui o infectologista Celso Granato, diretor clínico do Grupo Fleury. De acordo com o especialista, quando surge uma variação que se espalha com muito mais facilidade, ela tende a tirar o espaço de suas primas, já que infecta os hospedeiros antes.

“Isso ocorreu com o próprio Sars-CoV-2 e a sua mutação mais famosa, a D614G”, diz Granato. É essa cepa que o tornou capaz de se espalhar pelo mundo e causar tantos estragos.

Conclusão: embora a gente ainda não conheça bem a nova mutação, ela não parece explicar a segunda onda europeia. Pelo menos não por si só.

Então o que causou a segunda onda?

A rapidez com a qual esse Sars-CoV-2 mutante saiu da Espanha para outros países indica, na verdade, que o isolamento social já estava frouxo na Europa. Ou seja, a reabertura poderia ter sido mais cautelosa, de acordo com os experts entrevistados.

Há um consenso de que, dessa vez, os deslocamentos dos jovens europeus favoreceram bastante a disseminação da Covid-19. A abertura de locais de trabalho e de bares e outros locais de entretenimento colocou essa turma na rua, favorecendo o alastramento do vírus. “As pessoas jovens se expõem mais. E isso foi agravado pelo hábito europeu de usar bastante o transporte coletivo”, descreve Granato.

Desse modo, a doença encontrou um foco de indivíduos suscetíveis. De acordo com Granato, a pandemia inicialmente pegou mais pessoas idosas na Europa. Em outras palavras, a grande maioria dos jovens ainda estava suscetível ao vírus — e viraram um alvo fácil ao se aglomerarem em bares, escritórios, cinemas etc. “A rigor, não era preciso uma mutação para provocar a segunda onda”, diz o médico.

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Ensinamento número um: o retorno às atividades deve ser feito com muita cautela e medidas de segurança, a exemplo do uso de máscaras e do distanciamento social. O infectologista Marcus Lacerda, da Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD), acredita que essa é uma das razões pelas quais não houve até o momento um repique intenso na Ásia em geral. “Os asiáticos têm uma cultura de uso de máscaras e álcool em gel, o que os ajudou a controlar o vírus mais rapidamente”, argumenta.

Tudo disso não significa que a reabertura deve ser cancelada por completo no Brasil. Lacerda e Granato reforçam que o importante seria retomar a economia precisa pautando-se nos dados atuais e com foco nas medidas que minimizam o risco de infecções.

A situação no Brasil

Os profissionais de saúde consideram que a Europa está dois meses na frente do Brasil na pandemia. Daí porque é importante observar o que acontece por lá para desenhar o melhor plano possível por aqui.

Ao mesmo tempo, existem diferenças a serem consideradas. A primeira é a extensão das terras brasileiras. Atualmente, há regiões do país em estágios diferentes da curva de infecções.

Há ainda a questão do clima: o Hemisfério Norte está saindo do verão e entrando no inverno. E infecções respiratórias em geral tendem a se disseminar mais no frio, porque as pessoas ficam aglomeradas em locais fechados. “O fato de nós estarmos entrando no verão pode nos beneficiar”, destaca o infectologista. Só tenha em mente que, mesmo no calor, cidades brasileiras já foram duramente afetadas pala pandemia.

Granato elenca outra particularidade: o número de pessoas expostas à Covid-19. Ele, aliás, participa de um estudo que vem calculando quantos paulistanos já testaram positivo para o coronavírus. “Em São Paulo, 26% da população foi infectada, em média. Em Manaus, 66%. Já Madrid, um dos epicentros europeus da pandemia, teve apenas 11% da população em contato com o vírus. Ou seja, há maior risco de ele encontrar novas vítimas em boa parte da Europa”, compara.

Mas isso não significa que devemos baixar a guarda: seguir higienizando as mãos, mantendo distanciamento social e usando máscara são medidas fundamentais para impedir a propagação do vírus.

Lacerda frisa que, em um momento como esse, é normal as autoridades precisarem por vezes retroceder em seu processo de reabertura. Se os casos caem, dá para flexibilizar um pouco. Já se começam a subir, é preciso apertar os cintos mais uma vez. “Falar desse abre-e-fecha dá uma impressão ruim, mas a estratégia de relaxamento precisa ser revista todo dia mesmo”, aponta o especialista.

Aquela mutação pode atrapalhar a vacina?

Não sabemos ao certo como a cepa 20A.EU1 do coronavírus (que já sofreu outra mudança na França, inclusive) altera o comportamento desse agente infeccioso. No estudo europeu, a mutação ocorreu em uma região do vírus chamada de spike, ou espícula em português. “É a anteninha do coronavírus, que ele utiliza para se conectar com as células do hospedeiro”, explica Granato.

O fato é que essa mesma estrutura foi empregada na confecção de algumas vacinas, como a de Oxford. “Mas é preciso lembrar que a alteração ocorreu apenas em um pedaço dessa proteína. Então ainda há chances do nosso sistema imunológico reconhecê-la”, contextualiza Granato. No mais, outras vacinas se valem de outras tecnologias, então não há por que entrar em pânico.

Mais importante de tudo: uma das pesquisadoras que descreveu essa mutação, Emma Hodcroft, acha improvável que ela inviabilize as vacinas em desenvolvimento.

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Os desafios do câncer na maturidade

A pandemia da Covid-19 chamou atenção para a saúde dos idosos no Brasil e no mundo. Considerada pela Organização Mundial da Saúde (OMS) como grupo de risco para complicações relacionadas ao coronavírus, essa população tem uma prevalência maior de comorbidades como diabetes e hipertensão. São doenças que, assim como o próprio envelhecimento, exercem impacto importante sobre o sistema imunológico. Devemos aproveitar esse alerta para falar de outra doença que afeta desproporcionalmente os idosos: o câncer.

Embora os dados ainda estejam sendo coletados, há sinais de que pessoas idosas com câncer estariam ainda mais vulneráveis à Covid-19. Além disso, por medo da pandemia, muitos deixaram de buscar atendimento médico. Levantamento das Sociedades Brasileiras de Patologia e de Cirurgia Oncológica estima em 50 mil o número de casos de câncer que deixaram de ser diagnosticados no Brasil, apenas nos primeiros três meses da pandemia.

O fato é que a incidência de diferentes tipos de câncer tende a aumentar conforme a idade. Para ter uma ideia, basta olhar a taxa de casos de câncer para cada 100 mil pessoas. Na faixa de idade de 40 a 54 anos, essa incidência é de 238 casos. O número triplica quando se avança na faixa acima, de 55 a 69 anos, chegando a 731. Quando se fala da etária acima de 70 anos, o patamar ainda dobra, com 1486 casos a cada 100 mil pessoas. As informações são de estudo realizado neste ano pela Economist Intelligence Unit (EUI), com apoio da Sanofi.

O câncer é hoje a segunda principal causa de mortes no mundo, segundo a própria OMS. Trata-se de uma ameaça à saúde pública global que deve aumentar conforme a população envelhece. As projeções no estudo da EUI apontam que a proporção de pessoas com 65 anos ou mais no mundo deve passar de 17,4% em 2017 para 21,2% em 2050. Isso significa que, em um espaço de 33 anos, saltaremos de 962 milhões de idosos para 2,1 bilhões.

No Brasil, a participação dessa proporção chegará a mais de 20%. Com isso, calcula-se que o número de novos casos de tumores em idosos dobre entre 2012 e 2035, passando de 7 milhões para 14 milhões, de acordo com um estudo publicado pelo International Journal of Cancer.

Sem dúvida, o cenário projeta forte impacto nos recursos de saúde pública e privados, setores que há tempos recebem sinais de que devem se preparar para as consequências do envelhecimento populacional. Mas, além dos números, estamos falando de milhares de vidas. São homens e mulheres com histórias, famílias e amigos.

São pessoas que têm uma vida social ativa e, cada vez mais, conquistam novos espaços no mercado de trabalho, desempenhando um papel econômico importante nas comunidades em que vivem. Segundo dados da Secretaria de Trabalho do Ministério da Economia, o número de pessoas com 65 anos ou mais em vagas com carteira assinada cresceu 43% entre 2013 e 2017, passando de 484 mil para 649,4 mil.

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Desafios relacionados aos pacientes com câncer passam, mais do que nunca, pela necessidade de um olhar mais atento para a doença na maturidade. É preciso abrir ainda mais o diálogo sobre a saúde da pessoa idosa. Estamos diante de um público com necessidades específicas, que tende a demandar um tratamento multidisciplinar, com o envolvimento de profissionais de diferentes especialidades.

Entre as possíveis soluções para melhorar a jornada do paciente idoso está a garantia de que esse indivíduo seja tratado integralmente, de acordo com a sua necessidade. Nesse sentido, um dos caminhos é o incentivo à avaliação geriátrica, método que permite aos médicos escolher o melhor caminho a ser percorrido por seu paciente determinando as idades funcional e fisiológica, não apenas a cronológica. São avaliados fatores como nutrição, funcionalidade, cognição, estado psicológico, suporte social e comorbidades. Com esse recurso, é possível investigar, por exemplo, se o idoso apresenta tendência a quedas, bem como avaliar sua tolerabilidade a determinados tratamentos.

Em relação à escolha dos tratamentos mais adequados para os idosos, outro ponto de atenção é a necessidade de se trabalhar a medicina baseada em evidências, o que também reforça a importância da inclusão desse grupo populacional nos estudos clínicos – sempre preservando, é claro, sua segurança. Os ensaios clínicos são pesquisas realizadas em humanos para avaliar uma intervenção médica, cirúrgica ou comportamental. Atestam se um novo tratamento é seguro e eficaz para determinado grupo.

Todos os diferentes fatores que impactam a saúde na maturidade formam um verdadeiro mosaico, um universo que ganha ainda mais protagonismo neste momento. Esperamos, após a pandemia, que as atenções continuem direcionadas para nossos pais e avós. Proteger a vida das pessoas maduras que amamos passa pela oferta de informação de qualidade para médicos e pacientes, pelo estabelecimento de protocolos específicos e pela possibilidade de colher mais evidências científicas sobre essa população, dados que nos auxiliem na busca por tratamentos personalizados, seguros e eficazes, capazes de proporcionar uma vida mais longa e também com mais qualidade.

Antes de qualquer proposta de novas ferramentas ou políticas públicas, o primeiro passo é reconhecer que os idosos, assim como os mais jovens, são indivíduos que carecem de gestão, suporte e cuidados únicos.

* Rafael Prado é diretor-geral da Sanofi Genzyme, unidade de negócios para doenças de alta complexidade da Sanofi, com foco em oncologia, imunologia e doenças raras

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Dieta monótona: dez alimentos compõem quase metade do consumo no Brasil

A dieta do brasileiro está monótona. Um estudo do professor de Economia da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp) Walter Belik mostra que dez produtos concentram quase metade do consumo alimentar no país. Para ser exato, arroz, feijão, pão francês, carne bovina, frango, banana, leite, refrigerantes, cervejas e açúcar cristal compõem mais de 45% do cardápio do brasileiro, enquanto representam cerca de 35% do seu gasto em alimentação.

Isso equivale a muito carboidrato e pouca variedade de vitaminas. Para ter uma ideia, as despesas mensais dos brasileiros com o pão francês (cerca de R$ 1,2 bilhão) são quase o dobro do valor gasto com banana (R$ 410 mi), laranja (R$ 163 mi) e maçã (R$ 162 mi) juntos. O pão de sal – como também é conhecido em algumas regiões – supera ainda em despesas o arroz (R$ 821 mi) e o feijão (R$ 408 mi). A dupla mais tradicional do país, aliás, também perde para os refrigerantes (R$ 831 mi) e as cervejas (R$ 693 mi). Os alimentos campeões em despesas são as carnes bovina (R$ 2,8 bi) e de frango (R$ 1,7 bi).

Realizado em parceria com o Instituto de Manejo e Certificação Florestal e Agrícola (Imaflora) e apoiado pelo Instituto Ibirapitanga e Instituto Clima e Sociedade, o estudo aponta que os legumes e verduras correspondem apenas a cerca de 4% do consumo alimentar. É a mesma porcentagem das frutas.

“A manutenção do arroz, como carboidrato, e do feijão, como proteína vegetal, é algo esperado para o cardápio do brasileiro. O que chama a atenção é a prevalência da cerveja, dos refrigerantes e do açúcar cristal”, comenta Mariana Staut Zukeran, nutricionista do Hospital Israelita Albert Einstein, em São Paulo. “São itens que, numa alimentação equilibrada, devem ser consumidos esporadicamente”, arremata.

A especialista destaca também o fato de só uma espécie de fruta — e nenhum legume ou verdura — estar na lista das comidas mais consumidas. “Não há diversidade de vegetais e faltam legumes, variedade de frutas e alimentos ricos em fibra”, acrescenta.

Industrializados ganham espaço nas mesas

O estudo ressalta também que, nas últimas décadas, houve um grande crescimento na ingestão dos produtos industrializados, em detrimento dos naturais. Enquanto o consumo de alimentos in natura caiu 7% entre 2002 e 2018, os processados e ultraprocessados subiram 18% e 46%, respectivamente. Já a compra de refeições prontas, como lasanhas e pizzas congeladas, aumentou 250%.

Mesmo os alimentos naturais de maior relevância na dieta do brasileiro, como arroz, feijão e leite, tiveram queda de 40% no consumo, em média, durante o período analisado. O pão de sal, por sua vez, teve aumento de 23%. Para os autores do estudo, a mudança de hábito é causada por fatores como falta de tempo, preço atrativo e exposição à propaganda.

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A publicação acrescenta que o desequilíbrio na dieta não se restringe a uma classe social. Um exemplo é crescimento do consumo de ultraprocessados, muito mais relevante entre os mais ricos. Enquanto esses alimentos compõem 1,7% da cesta de quem recebe até dois salários mínimos, entre os que ganham mais de 25 salários, a proporção chega a quase 6%.

“Quando consumimos mais alimentos ultraprocesssados e reduzimos os naturais, temos um maior risco de doenças crônicas não transmissíveis, como obesidade, diabetes e hipertensão”, informa Mariana. “A alimentação saudável não precisa ser cara. E existem soluções, como substituir o refrigerante por consumo de água para hidratação. Ou estimular a compra de verduras, legumes e frutas da época, que são mais baratas”, complementa

Monocultura e pecuária dificultam diversidade

A pesquisa afirma que o potencial de diversidade de culturas, proporcionado pelo amplo território e diferenças climáticas no Brasil, tem sido subaproveitada em termos de ofertas para o consumo. Com base em dados do Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (IBGE), foi identificado que apenas 36 espécies de frutas ocupam uma área de cultivo de 1,7 milhão de hectares. Duas frutas são responsáveis por quase metade dessa produção: laranja (29,7%) e banana (18,2%).

Outro ponto levantado pelo documento é o consumo exacerbado de carne pelos brasileiros. Segundo o coordenador de Geoprocessamento do Imaflora, Vinicius Guidotti, a vasta área exigida para a pecuária é um empecilho para a diversidade de cultivo nas regiões.

“A compra excessiva de carne acaba envolvendo essa engrenagem. A pecuária ocupa um espaço quase três vezes maior que a agricultura”, afirma. Apesar disso, a agricultura é responsável por oferecer um maior número de proteína e energia à população.

Por isso, Guidotti reforça que o consumidor tem um importante papel para a mudança desse cenário: “Ao substituir proteínas da carne para outras de origem vegetal, você priorizará a produção agrícola. Não quer dizer que todos precisam virar vegetarianos, mas, ao balancear a alimentação, você também ajuda a diversificar a nossa produção”, conclui.

*Este conteúdo é da Agência Einstein.

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O apagão no Amapá e seus efeitos no controle do diabetes

Na terça-feira, dia 3 de novembro, recebi uma excelente notícia de uma querida paciente minha que mora em Macapá, a capital do Amapá. Ela acabara de ter alta hospitalar após necessitar de cuidados médicos por causa da Covid-19. Ainda estava um pouco fraca, necessitando de fisioterapia, mas muito feliz.

Essa paciente tem diabetes tipo 2 e costumava utilizar comprimidos para controlar a glicose antes de ser infectada pelo coronavírus. Com a infecção, porém, enfrentou um aumento na glicemia e teve de sair do hospital usando doses de insulina. Nem pense em considerá-la azarada. A santa insulina salvou sua vida. Sem o medicamento que reproduz a ação do hormônio no corpo, seria impossível domar a glicose direito e impedir um pior desfecho no quadro de Covid-19.

Mas justamente naquela terça-feira houve um incêndio na principal subestação de energia elétrica do estado do Amapá. Apagão geral na maioria das cidades do estado! Outro desafio começava para minha paciente e todos os outros que dependem da santa insulina.

Para quem não sabe, os recipientes de insulina devem permanecer em temperatura entre 2 e 8 graus quando fechados e até no máximo em 30 graus depois de utilizados pela primeira vez. Isso mesmo: o medicamento tem de ser armazenado na geladeira. Mas como a geladeira funciona em casa sem energia? E os equipamentos para acondicionar os remédios nas farmácias, nos postos de saúde e hospitais?

Segundo minha paciente, várias drogarias tiveram enormes perdas de medicamentos que precisam ficar refrigerados. Como é que fica a vida das pessoas que dependem desses produtos? Eu pedi a minha paciente que comprasse algumas unidades de insulina a mais, mas, até a conclusão deste texto, a energia não havia sido plenamente restabelecida por lá. Agora imagine quem não pode comprar unidades a mais!

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No Amapá, costuma se dizer, o calor é tamanho que parece haver um sol para cada um. Sem geladeira, em casa ou no comércio, perde-se rapidamente uma porção de alimentos. Sem energia, os preços de diversos produtos decolam. Um galão de 20 litros de água estava sendo vendido a 50 reais. Como é que fica a hidratação da população, ainda mais para quem tem diabetes ou outra doença crônica?

Na ausência da eletricidade, também é um parto fazer contatos telefônicos e usar a internet. Como é que os pacientes podem conversar com seu médico para ajustar as doses de insulina? Minha paciente teve que enviar seu filho até o aeroporto de Macapá, porque é lá que fica a torre de telefonia celular mais próxima de sua casa que ainda estava funcionando. Nada de WhatsApp, e-mail ou telefone dentro de casa.

Pois é, parece que voltamos no tempo, quando ainda se desbravava o território do Amapá. Quantos casos como o da minha paciente ou até mais graves estão ocorrendo nesse momento no estado? O Hospital da Mulher Mãe Luzia ficou sem energia! Outros operam à base de geradores a óleo diesel.

Esperamos que o poder público tenha consciência de que a situação é dramática e possa resolver quanto antes o problema. Há pessoas mais vulneráveis que, sem apoio, podem literalmente morrer com a falta de energia e suas consequências.

Viva a energia elétrica! Viva a santa insulina!

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sexta-feira, 6 de novembro de 2020

Vacina contra o coronavírus: 8 principais dúvidas respondidas pela OMS

A ansiedade por uma vacina contra o novo coronavírus é grande. Com isso, é normal que surjam dúvidas, principalmente sobre quando ela será distribuída e se será mesmo segura e eficaz. Para confundir ainda mais, são muitos os imunizantes em testes.

Para te dar uma mãozinha nesse momento, chafurdamos documentos da Organização Mundial da Saúde (OMS) que discutem as principais perguntas sobre o tema. Confira:

1. Quando teremos uma vacina aprovada?

Não dá para cravar uma data para a aprovação e distribuição de uma vacina segura e eficaz contra o coronavírus. Há sempre a possibilidade de interrupções momentâneas de estudos e de que as candidatas em testes mais avançados não funcionem. Ainda assim, a previsão da OMS é que a liberação de um imunizante para a Covid-19 ocorra entre o começo e meio de 2021. Isso depende dos seguintes pontos:

  • Provas de segurança e eficácia em estudos clínicos confiáveis de larga escala. Algumas potenciais vacinas estão nas fases finais dessa etapa: a de Oxford (AstraZeneca), a da Sinovac Biotech, a da Pfizer e a da Moderna. O imunizante da Janssen entrou em uma pausa nos testes em outubro, o que é normal em testes dessa magnitude.
  • Depois de prontos, é preciso que essas pesquisas passem por revisões de profissionais independentes (sem elo com as empresas envolvidas) e pela avaliação de órgãos regulatórios de cada país.
  • Aí a OMS analisa os resultados dos testes clínicos e o que já sabemos sobre a Covid-19 para fazer uma indicação de como cada vacina pode ser usada para controlar a pandemia.
  • Essas recomendações são levadas em conta pelas autoridades de cada país.

2. Quão rápido uma vacina pode parar a pandemia?

De acordo com a OMS, o impacto na contenção do coronavírus dependerá de alguns fatores. Eles incluem a eficácia do imunizante, a agilidade com que será aprovado, fabricado e distribuído e a quantidade de pessoas que receberão as doses.

Especula-se que as vacinas contra a Covid-19 não serão 100% eficientes (assim como as para muitas outras doenças). Mesmo assim, elas devem ter um efeito importante no combate à pandemia.

A Food and Drug Administration (FDA), agência que regula medicamentos nos Estados Unidos, estipulou que só aprovará produtos com eficácia superior a 50%, algo semelhante à OMS. Aqui no Brasil, a Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária) estabeleceu um limite mínimo de 70%, mas admitiu que 50% também seria suficiente.

E mais: um artigo recente publicado no Journal of American Medical Association (JAMA) argumenta que a eficácia das injeções talvez varie em diferentes grupos. Idosos podem produzir menos anticorpos do que os mais jovens, por exemplo. É importante que as pesquisas observem essas diferenças, já que elas impactariam no controle da pandemia.

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Outro ponto importante: mesmo com a vacinação, pode ser necessário manter por um tempo medidas como uso de máscaras e distanciamento social. Principalmente enquanto houver pouca vacina para muita gente.

3. Que tipos de vacinas estão sendo desenvolvidas?

  • Vacinas com o vírus inativo ou enfraquecido: elas modificam o Sars-CoV-2 para que ele não cause a doença, mas ainda assim gere uma resposta imunológica. Entre os imunizantes em fase 3 de testes, apenas os das empresas chinesas Sinovac e Sinopharm utilizam esse modelo.
  • Vacinas à base de proteínas: elas selecionam pedaços do coronavírus que são inofensivos ou cápsulas de proteínas que imitam o vírus, gerando uma resposta imunológica segura no corpo. É o caso da candidata da Novavax.
  • Vacinas de vetor viral: um pedaço do material genético do Sars-CoV-2 é acoplado a outro vírus incapaz de causar doenças. Ao entrar no corpo, esse agente instiga células do próprio corpo a produzirem outras substâncias inofensivas do novo coronavírus, mas que são reconhecidas pelo sistema imunológico. Pronto: ele começa a fabricar anticorpos e se proteger contra a Covid-19 de verdade. É a tecnologia presente nas vacinas de Oxford, da CanSino, do Instituto Gamaleya (Rússia) e da Janssen.
  • Vacinas com RNA viral: é produzido, em laboratório, um pedaço inofensivo do material genético do Sars-CoV-2 que, uma vez inserido no seu organismo, dispara a resposta imunológica. Entre as concorrentes em fase 3, as desenvolvidas pela Pfizer e pela Moderna empregam esse método.

4. Como ter certeza de que uma vacina é segura?

Respeitar as etapas necessárias dos estudos e as revisões posteriores garantem a segurança. Por isso é importante aguardar os resultados consolidados dos experimentos. As etapas principais das pesquisas cínicas são:

  • Fase 1: testes com pequenos grupos de pessoas (dezenas ou centenas, no máximo) para entender se a vacina causa ou não efeitos colaterais e para verificar dosagens mais adequadas.
  • Fase 2: centenas (ou até milhares) de voluntários são examinados. Além de possíveis efeitos colaterais, começa a ser medida o efeito da vacina no sistema imunológico.
  • Fase 3: o imunizante é aplicado em milhares de pessoas em diferentes locais para verificar se, na prática, ele evita a Covid-19 e não provoca reações adversas inaceitáveis.

Se tudo isso der certo, os órgãos reguladores aprovam a distribuição da vacina. Mas as investigações não param aí. Há ainda a fase 4, em que estudos de vigilância seguem monitorando a população para, entre outras coisas, verificar eventuais reações adversas mais raras.

5. Vacinas para outras infecções podem proteger contra o coronavírus?

Ainda não há evidências sólidas de que injeções para outros vírus e bactérias exerçam alguma influência no curso da Covid-19. Cientistas brasileiros estão estudando a ação da vacina BCG nesse cenário, mas não há resultados finais.

6. As doses vão conferir proteção de longo prazo?

É cedo para cravar qualquer coisa nesse sentido. As informações de momento mostram que a maioria das pessoas que se recupera da Covid-19 apresenta uma resposta imunológica que a protege por pelo menos um bom número de meses (embora existam casos confirmados de reinfecção). Só o avanço da pandemia e da ciência dirá ao certo por quanto tempo o contato com o vírus ou com uma vacina levanta as defesas do organismo.

7. Dá para acelerar o desenvolvimento de vacinas sem comprometer a segurança?

Normalmente, os testes clínicos demoram anos, por causa das diferentes etapas a serem cumpridas. Entretanto, em uma situação emergencial, alguns desses passos podem ser feitos paralelamente para agilizar as respostas. O dinheiro investido e a magnitude de pessoas infectadas facilita essa dinâmica.

A OMS lidera um esforço global chamado Acelerador de Acesso às Ferramentas Covid-19 (ACT, na sigla em inglês). Como parte dessa iniciativa, recursos de diversos países são somados para a produção de um imunizante seguro e eficaz. É uma forma de compartilhar riscos financeiros e garantir orçamento para uma aquisição conjunta ao redor do globo, capaz de oferecer as doses de forma mais equitativa.

8. Quem deve receber a vacina do coronavírus primeiro?

Idealmente, toda a população deveria ser vacinada. Mas as limitações de produção e distribuição em um primeiro momento exigirão que as autoridades estabeleçam grupos prioritários. A OMS criou documentos para guiar a decisão de quem deve receber as picadas primeiro. Por exemplo: na diretriz “Roteiro para a Priorização de Grupos Populacionais para Vacinas contra Covid-19”, a entidade sugere que grupos como profissionais de saúde com alto risco de infecção, idosos e certos grupo de risco, como portadores de doenças cardíacas e diabetes, sejam colocados na frente da fila.

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Escetamina primeiro antidepressivo inalável é aprovado no Brasil

A Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) aprovou o uso do cloridrato de escetamina, primeiro remédio aplicado via spray nasal para o tratamento da depressão resistente. O fármaco é considerado a maior inovação no combate à depressão em décadas.

Desenvolvido pela farmacêutica Janssen e distribuído sob o nome comercial Spravato, ele só poderá ser administrado em hospitais e clínicas autorizadas, sob a supervisão de um profissional de saúde (abordaremos isso mais pra frente). E é recomendado quando dois ou mais medicamentos contra a depressão falharam – ou na presença de comportamento ou ideação suicida aguda.

Seus efeitos, ao contrário de outros antidepressivos, são rápidos. Nos estudos que antecederam a aprovação, ele reduziu os sintomas em até 24 horas depois da primeira inalada. Como comparação, os fármacos atuais levam mais de três semanas para promover alguma melhora, e cerca de um terço dos portadores do transtorno não responde a eles.

Outra novidade é o mecanismo de ação. Enquanto os antidepressivos utilizados até agora tentam equilibrar os níveis de neurotransmissores ligados à sensação de bem-estar (serotonina, noradrenalina e dopamina), a escetamina atua nos receptores de glutamato, molécula responsável por melhorar as conexões entre os neurônios.

A escetamina já é liberada nos Estados Unidos, Canadá, em parte da União Europeia e em outros países. O preço máximo ainda não foi definido no Brasil, portanto ainda não há informações sobre a chegada do fármaco às clínicas.

Efeito da escetamina nos sintomas da depressão

A Janssen apoiou cinco testes clínicos com mais de 1 700 adultos portadores de depressão resistente. Nas pesquisas de curto prazo, os participantes que receberam a escetamina intranasal em combinação ao tratamento oral apresentaram melhora nos sintomas superior à observada no uso do comprimido com um placebo.

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O trabalho de longo prazo, publicado no periódico JAMA Psychiatry mostrou que voluntários com a doença controlada tinham um risco de recaída 51% menor se continuassem tomando a escetamina uma vez a cada quinze dias.

Já os estudos com indivíduos em alto risco de suicídio indicaram diminuição nos sintomas depressivos, mas não no comportamento e nas ideações suicidas. Até por isso, a ideia é que a escetamina atue aqui como um coadjuvante.

Cuidados na administração

Apesar de promissora, a droga deverá ser empregada em situações bem controladas e sempre com supervisão profissional, em clínicas médicas certificadas. Isso tanto para reduzir o risco de uso indevido e abuso, uma vez que a melhora é rápida e significativa, quanto para monitorar efeitos colaterais.

A escetamina pode provocar reações adversas como dissociação (a sensação de “estar fora do corpo”), tontura, sonolência, dormência em regiões do corpo, aumento da pressão arterial, humor eufórico e vertigem. Sintomas que, segundo as autoridades, exigem um acompanhamento próximo para evitar acidentes, dependência e outros problemas graves.

Medicamentos psicodélicos contra transtornos psiquiátricos

A escetamina é a primeira representante da classe dos psicodélicos a ganhar status oficial de medicamento psiquiátrico. Trata-se de uma espécie de prima enfraquecida da cetamina (ou ketamina), analgésico desenvolvido nos anos 1960 e até hoje consumido de maneira recreativa por seus efeitos no cérebro.

Alguns psicodélicos parecem aumentar significativamente a plasticidade cerebral, isto é, a capacidade de adaptação da mente, o que representaria uma janela de oportunidade para intervenções realmente eficazes em transtornos psiquiátricos. Eles estão sendo estudados por pesquisadores e instituições sérias ao redor do mundo.

Além da escetamina, LSD, MDMA, ayahuasca e a psilocibina, substância alucinógena presente nos cogumelos, destacam-se por seu potencial de ação terapêutica. Essa última parece a mais próxima de virar remédio. Em 2019, a Food and Drug Administration Agency (FDA), que regula medicamentos nos Estados Unidos, classificou a psilocibina como uma “terapia inovadora” para a depressão, o que acelera as pesquisas conduzidas com ela.

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No Novembro Azul seja homem e se cuide!

Falar da saúde do homem como se fala hoje não era tão simples há alguns anos. Por muito tempo, a ideia de “se cuidar” esteve relacionada a uma questão prioritariamente feminina. Muito disso se deve à cultura paternalista, que por tantos anos reforçou que o papel do homem é o de provedor, enquanto o da mulher é o de zelar pela casa e pela família.

Esse cenário, felizmente, vem mudando em nosso país e no mundo. Mesmo assim, alguns homens ainda relegam as questões de saúde a um segundo plano, ou delegam a tarefa para mães, esposas e companheiras. De acordo com a pesquisa Um Novo Olhar para a Saúde do Homem, realizada no segundo semestre de 2019 pelo Instituto Lado a Lado pela Vida (LAL) em parceria com VEJA SAÚDE, entre os 2 405 brasileiros entrevistados, apenas 33% disseram ir ao médico para consulta de rotina uma vez ao ano e 26% afirmaram que só o fazem quando se sentem mal.

A falta de informação e, em alguns casos, o preconceito são algumas das razões que levam os homens a deixarem de lado visitas e procedimentos simples, rápidos, indolores e fundamentais para identificar doenças como o câncer de próstata, de pênis e testículos em estágio inicial.

O movimento Novembro Azul, criado pelo LAL, nasceu para alertar a população, principalmente os homens, sobre a importância do diagnóstico precoce do câncer de próstata, que, se descoberto no início, chega a ter mais de 95% de chances de cura. Hoje, além do alerta para a doença, a campanha chama a atenção para a necessidade de os homens assumirem o protagonismo da própria saúde. Este ano, tão impactado pela pandemia, a campanha traz a chamada “Seja Homem: Se Cuide!”

A provocação é direcionada principalmente àqueles que cresceram com base na ideia ultrapassada de que “homem de verdade não chora” e “homem tem de ser forte”. A mensagem de 2020 é justamente estimulá-los a buscar cuidados e mostrar que eles são livres para demonstrar suas dores e emoções.

<span class="hidden">–</span>Foto: LAL/Divulgação

O foco está na saúde integral do homem. É preciso ir além do físico e ter atenção também para o emocional. A pesquisa do LAL e de VEJA SAÚDE mostrou que os homens estão emocionalmente fragilizados: 63% sentem ansiedade, 46% sofrem com tristeza e 23% de depressão. A busca de ajuda nesse contexto é também uma barreira para eles.

Para que o cenário da saúde no país melhore, é preciso que as pessoas entendam a importância de prevenir doenças, incorporar hábitos saudáveis como ter uma boa alimentação, não fumar, praticar atividade física e realizar acompanhamento médico regularmente, seja no sistema público seja no privado.

O acesso à informação tem contribuído para diminuir a dificuldade e o preconceito com a busca de tratamentos físicos e emocionais por parte dos homens. Esse é o melhor caminho para que anualmente milhares de vidas sejam preservadas. E esse é o foco do movimento Novembro Azul!

* Marlene Oliveira é fundadora e presidente do Instituto Lado a Lado pela Vida, criador do movimento Novembro Azul

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quinta-feira, 5 de novembro de 2020

Novo livro mostra as epidemias que fizeram história

O infectologista Stefan Cunha Ujvari alia em suas obras a prática e o conhecimento adquiridos no dia a dia com a paixão pela história. Desse casamento nascem livros que, em linguagem acessível, explicam como vírus, bactérias e outros patógenos assustaram e mudaram civilizações desde os primórdios.

Praticamente todo episódio que transformou de alguma forma a humanidade tem as marcas de um micróbio — da peste de Atenas, na Grécia antiga, à pandemia atual de Covid-19, passando pelos surtos durante as grandes guerras. Isso é o que percebemos lendo História das Epidemias (clique para ver e comprar), a nova incursão de Ujvari, que é médico do Hospital Alemão Oswaldo Cruz, em São Paulo, pelo mundo que dividimos com os germes.

Um dos diferenciais da obra é dedicar capítulos às pestes que assolaram o Brasil, inclusive movimentando a ciência por aqui com nomes como Adolfo Lutz, Vital Brazil, Oswaldo Cruz e Emílio Ribas. Depois de percorrê-los, dá pra entender por que nunca podemos baixar a guarda contra as infecções.

Muito além (e bem antes) da Covid-19

Pandemia do coronavírus recolocou as infecções, que nos perturbam há séculos, no holofote. Confira outros episódios examinados na nova obra:

A peste de Atenas

A cidade-estado grega disputava a hegemonia na região no final do século 5 a.C. quando se dobrou ante um inimigo microscópico. Só no fim do século 20 se descobriu que se tratava da febre tifoide.

O terror medieval

A peste negra, disseminada pelas pulgas dos ratos, veio da Ásia pelos mares e devastou a Europa. O continente perdeu 20 milhões de habitantes pela doença em apenas dois anos.

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Morte nas Américas

As viagens para exploração e colonização a partir do século 15 trouxeram da Europa a varíola, vírus que dizimou tribos indígenas, incluindo as civilizações inca e asteca.

A gripe espanhola

Considerada a pandemia mais mortal — estimam-se ao redor de 50 milhões de vítimas —, teve início nos Estados Unidos e se espalhou por portos e nas trincheiras da Primeira Guerra Mundial.

Pragas brasileiras

Desde que o mosquito Aedes aegypti chegou a estas terras, passou a disseminar vírus perigosos. Primeiro foi a febre amarela. Depois a dengue. Mais recentemente, zika e chickungunya.

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Ansiedade e depressão: doenças únicas mas que podem andar em conjunto

O coração bate mais forte, a respiração acelera e surgem os sentimentos de apreensão e medo. Possivelmente você já experimentou esses sintomas em algum momento da vida. É normal e até necessário sentir algum grau de ansiedade. Ela tem um propósito de existir dentro de nós. Porém, é preciso ficar atento quando passa dos limites e se torna uma doença.

Já não somos mais vítimas de predadores como no tempo das cavernas, mas somos perseguidos hoje pela baixa autoestima, pela incerteza da saúde de nossos familiares e amigos, pelos receios com o emprego e a empresa. E essas preocupações provocam as mesmas respostas neurológicas e físicas do passado.

Tudo isso acontece dentro do sistema nervoso central, que regula a frequência cardíaca, a respiração, a micção e até a função sexual. É também o sistema que reage quando estamos sob ameaça, produzindo a resposta de lutar ou fugir, projetada para nos defender dos perigos. Quando ele entra em ação, podemos sentir manifestações tão diversas como dor de cabeça, náusea, falta de ar, tremores e mal-estar na barriga.

É possível conviver com sintomas leves de ansiedade, mas quando ela é forte o suficiente para interferir na vida cotidiana, o tratamento geralmente é a única maneira de controlá-la. Os principais sinais de que isso está acontecendo aparecem quando a pessoa começa a fugir das atividades da rotina porque está com um medo exagerado ou fica tão preocupada com algo que isso a paralisa. Na ansiedade enquanto doença, a pessoa vai sentir que os sintomas não vão passar com um “copo de água com açúcar”.

As opções de tratamento, feito o diagnóstico com um médico, incluem medicamentos, psicoterapia, mudanças de estilo de vida e a combinação de todos esses elementos. O acompanhamento profissional é essencial para domar a ansiedade e as condições que podem acompanhá-la, como a dependência de álcool ou drogas e a depressão. É importante pontuar aqui que frequentemente pessoas com transtorno de ansiedade apresentam sintomas depressivos e vice-versa.

Em algum momento, quase todo mundo passa por eventos estressantes na vida. Embora nem todos que enfrentam essas tensões desenvolvam um transtorno de humor – na realidade, a maioria não desenvolve –, o estresse desempenha um papel decisivo na depressão. É preciso saber diferenciar uma condição e sinais passageiros dos indícios da depressão em si. A doença é marcada por extrema tristeza, autodesvalorização, desesperança e pensamentos suicidas.

A ciência vem rastreando a origem das emoções até o cérebro para entender a depressão e já se sabe que certas áreas participam da regulação do humor. Os pesquisadores acreditam que, mais importante do que os níveis de substâncias químicas cerebrais alteradas, são mudanças nas conexões das células nervosas, seu crescimento e funcionamento que exercem maior impacto na doença.

Nesse contexto, devemos lembrar que, mesmo antes da pandemia de Covid-19, o Brasil já ocupava o primeiro lugar no ranking dos países com mais casos de ansiedade e o segundo em episódios de depressão. É necessário e urgente valorizarmos a saúde mental. Não se trata de “psiquiatrizar” ou “psicologizar” o cotidiano, mas de fazer diagnóstico e tratamento adequados.

* Antonio Geraldo da Silva é presidente da Associação Brasileira de Psiquiatria e da Associação Psiquiátrica da América Latina

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A ciência contra a enxaqueca

A enxaqueca é a doença mais incapacitante entre pessoas de 20 a 50 anos e, ainda assim, estudos indicam que o diagnóstico de uma cefaleia crônica chega a demorar cinco anos. Como é que alguém vive com esses incômodos por tanto tempo sem saber do que se trata? Talvez por achar que não há nada a fazer — ou que o único jeito é ir na farmácia e se automedicar. Mas há, sim, boas novas da ciência nessa área nos últimos anos. É isso o que discutiremos neste episódio do podcast Detetives da Saúde, que tem o apoio da Novartis. Ouça:

Nossa convidada é a neurologista Aline Turbino, chefe do setor de Investigação de Cefaleias do Hospital Santa Marcelina, em São Paulo. Além de abordar o tratamento moderno que alivia as dores e até reduz o número de crises, ela traz medidas que todos podem adotar para evitar episódios de enxaqueca.

É possível escutar o programa em diversas plataformas. Estamos no Spotify, no Deezer, no Google Podcasts, no Pocket Casts, no Youtube… Não sabe como ouvir nesses ambientes? Clique aqui.

Se preferir, escute pelo Spotify diretamente aqui:

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quarta-feira, 4 de novembro de 2020

Márcio Bittencourt: Não sabemos se Brasil terá segunda onda da Covid-19

A Europa vive uma segunda onda de Covid-19 que se espalha de forma rápida. Países como França e Alemanha já retomaram medidas de controle mais rígidas, inclusive com lockdown, para conter o repique de casos e mortes por coronavírus, o que já era previsto e esperado pela comunidade científica.

“Apesar das diferenças entre si, os vírus respiratórios têm um padrão recorrente de comportamento. Se avaliarmos as oito principais pandemias deste tipo desde 1700, vamos notar que pelo menos sete tiveram mais do que uma onda em alguma parte do mundo”, afirma Márcio Sommer Bittencourt, cardiologista do Hospital Israelita Albert Einstein e pesquisador da Clínica Epidemiológica do Hospital Universitário da Universidade de São Paulo. Nas redes sociais, Bittencourt tem chamado a atenção por suas análises precisas sobre a pandemia.

Em conversa com a Agência Einstein, o médico discute quais são as principais causas da segunda onda do vírus pelo mundo e como medidas de intervenção diminuem o alastramento e agravamento da doença no Brasil.

Alemanha e França anunciaram novo lockdown, criando grande impacto nos mercados financeiros e assustando a população. Imaginava-se que a segunda onda viria?

Márcio S. Bittencourt: Sim, dava para imaginar que teria uma segunda onda. É simplesmente fazer uma avaliação histórica pregressa de outras pandemias. Apesar das diferenças entre si, os vírus respiratórios têm um padrão recorrente de comportamento. Se avaliarmos as oito principais pandemias deste tipo desde 1700, vamos notar que pelo menos sete tiveram mais que uma onda em alguma parte do mundo. Isso aconteceu com a Gripe Russa (de 1889 a 1890), a Gripe Espanhola (entre 1918 e 1919), a Gripe Asiática (de 1957 a 1958), a Gripe de Hong Kong (em 1968 e 1969), e, mais recentemente, a Gripe Suína (em 2009). Vale destacar que as pandemias anteriores foram causadas pelo vírus influenza. Então talvez nem todas as correlações ocorram da mesma forma.

O que explicaria a segunda onda na Europa?

Segundas ondas são caracterizadas pelo aumento do número de casos, internações ou óbitos por uma determinada doença depois de uma queda importante e um controle por um período em região geográfica delimitada. Mas não há uma definição formal de quanto deve cair e por quanto tempo a doença deve estar controlada antes do novo aumento para configurar a segunda onda. Uma segunda onda pode ocorrer por vários motivos, mas os principais envolvem comportamento humano, ou seja, como estamos lidando com o vírus e sazonalidade. Outros fatores como número de pessoas suscetíveis, duração de imunidade e mutações do vírus são outras possíveis explicações menos prováveis para uma segunda onda.

O mais provável é que seja uma combinação de ações de intervenção, como medidas de isolamento físico, que não foram suficientemente capazes de controlar a evolução do vírus ou foram interrompidas de forma precoce ou súbita.

Há a questão da sazonalidade do coronavírus, que aparentemente se transmite com maior facilidade nas mesmas épocas que o vírus da gripe. Na Europa, por exemplo, os picos são no outono e inverno. Já no Brasil, varia de acordo com a região: no Norte e Nordeste em períodos mais chuvosos, no Sudeste e no Sul nas estações mais frias.

Outras razões são a heterogeneidade da população e a imunidade temporária. Um exemplo para a heterogeneidade é o de uma população que ficou em casa e se protegeu contra o vírus durante a primeira onda e que pode estar na rua nesse momento e se contaminar. E sobre a imunidade, ainda não sabemos por quanto ela dura em quem já teve a doença.

A variação do vírus Sars-CoV-2 que começou a circular no verão europeu poderia ser também uma das causas dessa segunda onda?

Do ponto de vista teórico, uma mutação do vírus pode levar a uma nova onda, já que as variações, por terem características próprias, podem ser mais transmissíveis do que as outras. No entanto, a evidência atual não sugere que essa seja a explicação para o que está acontecendo na Europa. Há várias mutações do vírus mundo. Isso é comum e até agora não tem sido o motivo do aumento de casos, gravidade ou reinfecção.

A soma de fatores comportamentais e a sazonalidade são mais importantes para explicar esta segunda onda do novo coronavírus.

Os governos são responsáveis por essa segunda onda?

Os que negaram a gravidade da doença e se recusaram a fazer intervenções, como Estados Unidos, México e Brasil, no nível federal, têm responsabilidade pelos elevados casos de doentes e de mortes. Mas, como eu disse, são muitos fatores que contribuem para uma segunda onda.

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Países como Noruega e Alemanha tiveram estratégias prudentes, com a realização de ampla testagem e medidas para reduzir a chance de disseminação da doença, como isolamento de casos, quarentena de contatos, utilização de medidas de bloqueio e medidas como fechamento de comércio, restaurantes e bares. Apesar de estar ocorrendo uma segunda onda na Alemanha, a taxa de internações e óbitos é menor que em países vizinhos, e a intensificação das medidas deve ajudar no controle.

No entanto, acredito que Taiwan seja o melhor exemplo de quem fez a implementação ideal de todas as medidas. Com 23 milhões de habitantes, o país teve cerca de 500 casos confirmados de Covid-19 e sete mortes. Eles não tiveram a segunda onda e já flexibilizaram as medidas de distanciamento. Estão há 200 dias sem transmissão local.

Teremos segunda onda no Brasil?

Não é possível responder com certeza se teremos uma segunda onda. Até porque no Brasil ainda não ocorreu uma queda sustentada no número de casos. Estamos num platô.

É possível que tenhamos uma segunda onda nos períodos de transmissão mais intensa de vírus respiratórios no Brasil no ano que vem. Apesar disso, se uma proporção grande da população já tiver sido infectada, essa segunda onda pode não ser forte, ainda mais se continuarmos com uma transmissão intensa na comunidade até lá.

Mas, se a segunda onda ocorrer, a intensidade e gravidade do surto dependerão da nossa capacidade de aplicar medidas de intervenção e controle de forma mais adequada que na primeira onda.

A possibilidade de termos uma vacina no ano que vem pode nos ajudar a evitar essa nova onda?

Projeções de estudos de vacinas e dos programas de implementação são difíceis de serem feitas. Pessoalmente, eu acho pouco provável que tenhamos um programa de vacinação amplo para toda a população no primeiro semestre de 2021. E explico o motivo: o processo de desenvolvimento, produção e distribuição de uma vacina é longo e complexo.

Primeiro, precisamos mostrar que ela funciona e é segura. O passo seguinte é a aprovação da vacina no país de origem e depois no Brasil pela Anvisa (Agência Nacional de Vigilância Sanitária). Depois, ela precisa ser produzida em grande escala e comprada pelo poder público. Os laboratórios têm capacidade limitada de fabricação e todos os países estão procurando fechar a compra de grandes quantidades. Vai receber a vacina quem comprar primeiro.

Depois disso, temos a questão de logística: a maior parte das vacinas precisa ser distribuída para todo o Brasil em veículos refrigerados. E, para a maioria delas, a imunização será feita em duas doses por pessoa. Ou seja, é preciso ter controle se as pessoas tomaram as duas doses para garantir que elas estejam protegidas e é preciso assegurar que quem tomou a primeira dose retornará ao serviço de saúde para a dose suplementar. Por fim, precisamos fazer com que a população procure o atendimento para receber a vacina.

Além disso, não sabemos quais nem quantas das vacinas em teste vão funcionar, porque elas ainda estão sendo testadas.

Como o Brasil poderia enfrentar uma segunda onda e lidar com os atendimentos para outras doenças que foram represadas durante o pico da pandemia?

O peso pode ser muito grande caso não haja intervenções sérias para o controle da doença, como testagem em massa, fechamento ou restrição de espaços, distanciamento físico, isolamento de casos, quarentena de contatos, uso de máscaras e higienização das mãos.

As pessoas imaginam que é só uma questão de ter ou não leitos de UTI nos hospitais para as pessoas com Covid-19. Mas temos que lembrar que, antes do novo coronavírus, esses leitos já eram ocupados por pessoas com outras doenças graves ou para o pós-cirúrgico. Quando os leitos de UTI são ocupados majoritariamente por pacientes com Covid-19, alguém está deixando de ser atendido. Pode ser uma pessoa que sofreu um infarto, um AVC, um acidente ou alguma cirurgia que está sendo suspensa ou adiada.

Esses remanejamentos impactam todo o sistema de saúde, desde os atendimentos simples até os mais críticos. Cria-se um gargalo que leva tempo para reorganizar. Para você ter uma ideia, eu estou atendendo agora pacientes que tinham consultas marcadas para março e que foram canceladas.

*Este conteúdo é da Agência Einstein

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