quarta-feira, 30 de setembro de 2020

Vitiligo exige cuidados extras em tempos de coronavírus

De olho na tensão causada pela crise do coronavírus, a Sociedade Brasileira de Dermatologia (SBD) fez um alerta especial a quem convive com o vitiligo. Isso porque o estresse é capaz de agravar essa doença autoimune, caracterizada pela presença de manchas brancas na pele. “Em um momento como este, as marcas podem crescer e se espalhar mais ou até reaparecer”, conta a dermatologista Márcia Senra, coordenadora do Departamento de Psicodermatologia da entidade.

De acordo com a médica, os atendimentos por causa do vitiligo (e de outras situações ligadas a aspectos emocionais, como queda de cabelo) aumentaram durante a pandemia. É importante frisar que, embora não exista cura para o quadro, dá para tratá-lo. E, atualmente, isso pode ocorrer por meio de consulta online. “A sensação de ser cuidado já faz muito bem ao paciente”, avalia Márcia.

A pandemia como estopim

A SBD informa que o drama atual relacionado ao coronavírus pode até mesmo atuar como gatilho para o desenvolvimento do vitiligo em quem não apresentava sinais da doença. O principal sintoma é a tal mancha branca mesmo. Ela surge porque o próprio organismo passa a atacar os melanócitos, que são as células produtoras de melanina (o pigmento da nossa pele). “Mas, para cravar o diagnóstico, é preciso consultar o médico”, esclarece Márcia.

<span class="hidden">–</span>Ilustrações: Laura Luduvig/SAÚDE é Vital


A prevenção do câncer colorretal deve se estender o ano inteiro

O câncer colorretal é um dos tumores mais frequentes na população brasileira. Segundo estimativas do Instituto Nacional de Câncer (Inca), até o fim deste ano mais de 40 mil novos casos da doença devem ser diagnosticados. A distribuição do problema é praticamente igualitária entre os sexos: são 20 520 casos projetados em homens e 20 470 em mulheres. Apesar dos avanços científicos e tecnológicos no tratamento, o número de mortes pela doença ainda é alto. Em 2018, de acordo com o Atlas de Mortalidade por Câncer do Inca, foram 19 603 óbitos.

Fica clara, assim, a importância de buscarmos a prevenção, tema do Setembro Verde, que reúne profissionais de saúde de diversas especialidades em prol dessa causa. Precisamos esclarecer a população sobre a enfermidade e orientar medidas preventivas. E esse trabalho, aliás, deve se estender pelo ano todo.

Como enfermeira estomaterapeuta, especializada no cuidado de pessoas com estomias (como bolsas coletoras), muitas vezes resultado de tumores desse tipo, deixo aqui meu apelo pela maior atenção à doença.

O câncer colorretal, como sua denominação indica, é um tumor maligno que acomete o intestino grosso e o reto. A predisposição familiar contribui para aumentar sua ocorrência. A presença de pólipos também é fator a ser considerado, uma vez que essas formações podem ser precursoras de um câncer.

Exames como a colonoscopia são fundamentais para que o diagnóstico aconteça mais precocemente, de forma a garantir a opção terapêutica mais adequada e tranquila ao paciente. De acordo com o estágio do diagnóstico, os resultados do tratamento podem ser mais ou menos promissores.

Continua após a publicidade

Os principais fatores de risco para o câncer colorretal são idade (com maior incidência em pessoas acima de 50 anos) presença de pólipos intestinais, doenças inflamatórias intestinais (como Crohn e retocolite ulcerativa), história familiar de câncer intestinal e antecedentes pessoais de outros tipos de tumor. Um estilo de vida pouco equilibrado (dieta desregrada, sedentarismo, tabagismo…) também influencia a propensão ao problema.

É muito importante que políticas públicas sejam implementadas para que a detecção precoce do câncer colorretal seja, de fato, ampliada. Iniciativas como a indicação do exame de sangue oculto nas fezes, que pode ajudar na triagem de pacientes que realmente necessitariam de uma colonoscopia para investigar um tumor, seriam uma opção mais simples, menos invasiva e mais acessível.

Infelizmente, no Brasil, os exames mais complexos não são tão facilmente acessíveis à população e o atraso do diagnóstico e do tratamento implicam em encontrar pacientes com estágios avançados da doença. Estes requerem cuidados e tratamentos complexos, dispendiosos, demandam internações prolongadas e associadas a altos índices de mortalidade.

Assim, é fundamental amplificar a conscientização sobre o câncer colorretal para que as pessoas tenham informações sobre essa realidade, se cuidem e busquem fazer seus exames de rotina, quando indicados. Lutando juntos por essa causa, esperamos que, num futuro próximo, a prevenção da doença faça parte efetiva das nossas políticas públicas de saúde.

* Maria Angela Boccara de Paula é enfermeira estomaterapeuta, doutora em enfermagem e presidente da Associação Brasileira de Estomaterapia (Sobest)

Continua após a publicidade


terça-feira, 29 de setembro de 2020

Fadiga crônica pode aparecer após a Covid-19

Cerca de 8% dos pacientes acometidos por uma infecção viral estão propensos a desenvolver a síndrome da fadiga crônica, também chamada de neuromielite miálgica. A condição se caracteriza por sintomas como cansaço, dores musculares e articulares, febre baixa e perda de memória. E vem sendo identificada após um quadro infeccioso grave provocado pelo novo coronavírus, principalmente em pacientes que foram hospitalizados e tiveram comprometimento no coração.

Os estudos mostram que essas pessoas podem apresentar uma alteração imunológica associada à produção de anticorpos que, em última instância, afeta a frequência cardíaca e a pressão arterial, assim como a força muscular. Em razão da formação e atuação anormal desses anticorpos, ocorrem mudanças na circulação do sangue para o cérebro e os músculos — daí os sintomas relatados.

O diagnóstico da síndrome da fadiga crônica é 100% clínico, porque não há marcadores e exames específicos para detectar a doença. É por isso que ela pode ser confundida com a fibromialgia. Mas os sintomas associados à infecção viral e o surgimento de gânglios no pescoço, axilas e na região inguinal ajudam a diferenciar a síndrome da fadiga crônica da fibromialgia. Além disso, a duração dessas duas enfermidades é diferente. A fadiga crônica se estende, em média, entre oito e 12 meses. Já pessoas com fibromialgia têm de conviver anos ou mesmo a vida toda com a doença.

O tratamento da síndrome da fadiga crônica é feito com analgésicos como paracetamol e dipirona. Como a dor crônica traz problemas emocionais, os médicos podem prescrever medicamentos antidepressivos classificados de inibidores da recaptação de serotonina e noradrenalina. Esses remédios melhoram o humor do paciente e sua percepção da dor.

Paralelamente, o paciente deve fazer atividade física. Exercícios aquáticos, pilates, caminhada e alongamento são bem-vindos. Devido ao cansaço, aconselhamos que o indivíduo comece com atividades de baixa intensidade e aumente o ritmo ao longo do tempo.

A síndrome da fadiga crônica não acomete apenas quem foi infectado pelo coronavírus. Pode se manifestar em pessoas que tiveram hepatite, gripe H1N1, mononucleose, toxoplasmose ou foram infectadas pelo citomegalovírus. O grupo mais suscetível à doença é formado por pessoas entre 35 e 60 anos. Em idosos, principalmente a partir dos 70, o médico precisa avaliar se a queixa de fadiga está associada à perda rápida de peso, falta de apetite e queda de energia, o que pode indicar a existência de outra doença, como um câncer.

Nesses tempos de Covid-19, o recado a reforçar é: em caso de fadiga e dor persistentes, consulte um médico.

* José Roberto Provenza é presidente da Sociedade Brasileira de Reumatologia (SBR)

Continua após a publicidade


Tratamento oncológico na pandemia é destaque em congresso

“Entendemos que se trata de vidas, não de doenças. Vidas que estão em risco e um sofrimento que pode ser evitado se seguirmos comprometidos com a prevenção, o diagnóstico precoce e o acesso ao tratamento adequado e ao cuidado interdisciplinar e paliativo.” Foi com essa mensagem de boas-vindas que Merula Steagall, presidente da Abrale, abriu o 7º Congresso Todos Juntos contra o Câncer, realizado na última semana pela primeira vez online.

Um dos destaques foram os desdobramentos e desafios do tratamento oncológico durante a pandemia de Covid-19. Tema este debatido na abertura do congresso, comandada pelo jornalista Rodrigo Bocardi, e que teve sequência com os convidados para o primeiro painel, Henrique Prata, presidente do Hospital de Amor, Phillip Scheinberg, coordenador de hematologia clínica do Centro de Oncologia da BP – Beneficência Portuguesa, e Andre Ilbawi, doutor em oncologia, oficial técnico de controle do câncer do Departamento de Doenças Não Transmissíveis e da Divisão de Cobertura Universal de Saúde da Organização Mundial da Saúde (OMS).

Segundo Ilbawi, pessoas em condições mais vulneráveis, tanto na saúde quanto economicamente, são as que estão sofrendo mais com a pandemia atualmente. “Infelizmente, não temos certeza do que os atrasos nos tratamentos significam, às vezes eles são prejudiciais, às vezes não”, afirmou. IIbawi destacou também que a OMS vê a telemedicina como uma ferramenta em potencial para o sistema de saúde.

O impacto da pandemia nos fatores de risco para o câncer, como tabagismo, uso de álcool, inatividade física e má alimentação, foi tema de outro painel do congresso. Segundo Vera Luiza da Costa e Silva, médica e consultora da OMS e ex-chefe do Secretariado da Convenção-Quadro para o Controle do Tabaco/OMS, mais de 8 milhões de pessoas morrem no mundo todo por conta do tabagismo. “O coronavírus, em um ano, felizmente, não vai matar o que o tabaco mata em um ano.” Ainda de acordo com a médica, o tabagismo precisa ser atacado de frente, principalmente em situações como a Covid-19, já que ele aumenta o desfecho fatal em relação ao vírus.

No painel Pós-Coronavírus: Como Ficará a Atenção Oncológica, Clarissa Matias, presidente da Sociedade Brasileira de Oncologia Clínica (SBOC), destacou que será necessário um processo de educação global. “Precisamos dar à população a segurança para a não propagação do vírus e entre as ações estão as zonas chamadas de ‘covid free’. Pacientes em tratamento oral não precisam ir ao hospital, e esse foi um apelo que fizemos ao governo”, afirmou. Segundo Clarissa, 80 000 diagnósticos na  IQVIA não foram realizados no período da pandemia) e 67% das cirurgias oncológicas foram reduzidas (SBOC). 

Temas inovadores

Outros assuntos também foram destaque na agenda deste ano, como o respeito à diversidade na saúde, novas tecnologias, sexualidade e qualidade de vida do paciente idoso e inovação no cuidado integrado.

O evento foi organizado pelo Movimento Todos Juntos contra o Câncer, o qual envolve mais de 200 instituições que buscam pequenos avanços no tratamento oncológico no país e o compromisso em ampliar o espaço de discussão e colaboração.

Ao todo foram mais de 170 palestrantes nacionais e internacionais e 41 módulos de conteúdo organizados em simpósios planejados pelas equipes multidisciplinares, palestras satélites organizadas pelas empresas e painéis programados por ONGs, sociedades médicas, fundações e hospitais. “São informações relevantes que nos ajudarão a planejar ações colaborativas que contribuirão para o aprimoramento da política nacional de prevenção e controle do câncer no país. O Brasil é um país continental, o que implica aspectos complexos, geográficos e populacionais e muitas desigualdades, inclusive de recursos, conhecimento e riqueza”, comentou a presidente da Abrale durante o evento. 

Continua após a publicidade


segunda-feira, 28 de setembro de 2020

Morrer de trabalhar: sofrimento e suicídio no mundo do trabalho

Estaríamos colocando nossas vidas em risco pelo salário que recebemos? Dados recentes revelam que, a cada dia, mais pessoas adoecem pelas frustrações ocasionadas por ambientes tóxicos de trabalho e isso contamina inclusive sua vontade de viver. Mesmo no século 21, com tantos recursos à disposição, o esgotamento físico e mental no trabalho vem contribuindo com transtornos psicológicos, ideação suicida e mortes por suicídio. Infelizmente, a crise sanitária e socioeconômica que estamos vivendo só tende a agravar as coisas.

Passamos ao redor de dois terços do nosso tempo diário dedicados ao trabalho — quando não diretamente ou in loco, de forma indireta com planejamentos, mensagens e deslocamentos. Com isso, restam poucas horas do dia para nos dedicarmos a atividades que trazem relaxamento e minimizam as dores da rotina. Quando uma pessoa trabalha sob condições difíceis e alimenta a intenção de tirar a própria vida, essa ideia reflete a vontade de encerrar um ciclo de sofrimento. Nessas horas, é crucial encontrar um significado naquilo que somos e fazemos e resgatar a compreensão de quanto a vida vale a pena.

O suicídio tornou-se uma pauta global nos últimos anos. Desde 10 de setembro de 2003, nos lembramos ainda mais da causa com o Dia Mundial de Prevenção ao Suicídio. A data remete ao falecimento do jovem Mike Emme, que morreu por suicídio em 1994 dentro do seu Mustang amarelo. No funeral, amigos e familiares distribuíram cartões e fitas amarelas, inspirando a adoção da cor para a campanha.

Hoje falamos no Setembro Amarelo. No Brasil, entidades como o Centro de Valorização da Vida (CVV), a Associação Brasileira de Psiquiatria (ABP) e o Conselho Federal de Medicina (CFM) passaram a difundir a campanha desde 2015. É um tema que não podemos deixar de abraçar.

O suicídio é a segunda causa de morte entre jovens de 15 a 29 anos no mundo hoje. E, de acordo com a Organização Mundial de Saúde (OMS), em 90% dos casos podemos identificar as razões do pensamento suicida e prevenir seu desfecho com medidas pontuais e responsáveis e ajuda especializada. Nesse sentido, precisamos desfazer mitos como “quem tenta não faz”, “fez aquilo para chamar atenção” ou “suicídio acontece sem aviso”. Devemos estar atentos a sinais e comportamentos que denunciam a ideação suicida, muitas vezes expressos em frases como “eu não aguento mais” ou “preferia estar morto”.

Continua após a publicidade

O Ministério da Saúde publicou em 2017 um estudo que aborda as principais características do problema em nosso país, onde ao redor de 11 mil pessoas tiram a vida por ano, a maioria homens. A pesquisa detecta um aumento na taxa de suicídio entre 2011 e 2015, bem como um crescimento nas lesões autoprovocadas — 69% das tentativas de suicídio ocorrem em mulheres ante 31% em homens, e os meios mais utilizados são envenenamento e intoxicação.

A ligação entre suicídio e trabalho é complexa. Os dados obtidos são geralmente produzidos por segmentos e nem sempre retratam a realidade. Em muitos casos, as pessoas que estão sofrendo em seus ambientes corporativos ou institucionais não denunciam ou falam a respeito. Sabemos, contudo, que doenças ocupacionais — de lesões por esforço repetitivo (LER) e dores crônicas a transtornos psiquiátricos e síndrome de burnout — podem levar o indivíduo ao suicídio se não diagnosticadas e tratadas adequadamente. Assim, o contato com o profissional de saúde é fundamental nesse processo de flagrar as causas e encaminhar soluções para amenizar o sofrimento físico e psíquico.

O excesso de tarefas aliado a uma gestão insensível e avassaladora é uma questão que se agravou com a pandemia e as novas condições de trabalho remoto, incerteza de vínculo laboral e risco e aumento do desemprego. É comum observarmos a ausência de ações efetivas por parte das empresas no que diz respeito aos cuidados com a saúde do trabalhador, sem contar casos de assédio moral e burnout.

Programas privados e políticas públicas robustas para a promoção de um ambiente de trabalho saudável (presencial ou remoto) nunca foram tão importantes, assim como o fortalecimento dos Centros de Ação Psicossocial (CAPs) e a efetivação da Política Nacional de Prevenção da Automutilação e do Suicídio. Não podemos ficar parados. O trabalho não pode ser visto como fonte de sofrimento.

* Karina Uchôa é pesquisadora na área de qualidade de vida no trabalho e professora de Direito

Continua após a publicidade


Nanopartículas no combate ao colesterol

Os itens de origem vegetal reúnem compostos chamados fitoesteróis, que têm a capacidade de serem absorvidos no lugar do colesterol — que é, então, eliminado do organismo. Só que essas substâncias benéficas estão na natureza em quantidades ínfimas. Para tirar proveito delas, pesquisadores da Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior paulista, colocaram doses concentradas de fitoesteróis em nanopartículas feitas de óleos convencionais. “Eles ficam protegidos dentro de nanogotas”, conta a engenheira de alimentos Ana Paula Badan, uma das coordenadoras do projeto.

A blindagem permite que sejam utilizados em uma gama enorme de produtos e que, uma vez consumidos, cheguem ao lúmen intestinal, onde competirão com o colesterol. Segundo Ana Paula, a nanoestrutura é 80 vezes menor do que um fio de cabelo e não tem cor nem sabor. Daí sua versatilidade para a indústria.

Do laboratório para o dia a dia

As nanopartículas de fitoesteróis foram desenvolvidas no doutorado da química de alimentos Valeria da Silva Santos. Ao finalizá-lo, ela fundou a startup Cognita Technology e, agora, está trabalhando para ver sua invenção chegar às pessoas. “Queremos lançar um suplemento no ano que vem”, diz. “Também estamos produzindo iogurtes e bebidas lácteas e vegetais com as nanopartículas”, relata.

<span class="hidden">–</span>Ilustração: Laura Luduvig/SAÚDE é Vital


domingo, 27 de setembro de 2020

Como Freud ajuda a entender nossa relação com a morte e a pandemia

“É numa casa que a gente se sente só. Não do lado de fora, mas dentro.” A frase da escritora francesa Marguerite Duras sintetiza o sentimento que muitos de nós experimentamos com a Covid-19. A felicidade que projetamos na virada do ano desmoronou feito um castelo de areia. As relações com amigos, familiares e parceiros migraram para o mundo digital. O convívio com aqueles com quem dividimos o mesmo teto passou para regime full time. O amor ou o ódio aos governantes nos dividiram ainda mais.

E nossa relação com a morte, assunto que tentamos encobrir com o véu do silêncio, entrou na ordem do dia. Os mortos se contam aos milhares. Mesmo assim, continuamos a viver como se a morte fosse um destino inevitável apenas para o outro.

Há cerca de 100 anos o psicanalista Sigmund Freud escreveu uma série de ensaios sobre esses temas. Feliz ou infelizmente, grande parte do que ele diagnosticou em seu tempo continua válido. Não custa lembrar que, logo depois da Primeira Guerra Mundial, o planeta foi assolado pela gripe espanhola. Ainda nos primeiros meses da guerra, Freud afirmaria que nossa relação com a morte não era sincera.

Em tempos de paz, quando as notícias sobre os mortos chegam uma de cada vez, nos damos ao luxo de não pensar na morte como destino inevitável. Imaginamos que todos são mortais, menos “eu”. Não é assim que parece pensar o vizinho que se recusa a usar máscara no elevador?

Todos sabemos que vamos morrer. Mas esse saber é desligado de afetos, insuficiente para fixar crenças. O tratamento convencional e insincero que dispensamos à morte é posto à prova quando ela se conta aos milhares, como nas guerras e pandemias. Nesses casos, “a morte já não se deixa mais renegar; temos de acreditar nela”. E, no entanto, continuamos a não acreditar.

Continua após a publicidade

Pesquisas mostram que a aprovação do governo brasileiro, onde o número de casos de Covid-19 a cada milhão de habitantes é cinco ou seis vezes maior que a média global, vem crescendo. Como entender esse paradoxo? O próprio Freud nos dá pistas: sempre que tentamos pensar em nossa própria morte, nos vemos como espectadores, fora da cena. Para o inconsciente, somos imortais.

Mas por que uns acreditam na morte a ponto de entrar em intenso sofrimento, e outros não? As respostas a traumas são bastante individuais, mas há elementos de natureza social. Nesta época tão polarizada, parece que as pessoas não vivem no mesmo mundo, não compartilham as mesmas crenças — dinâmica já descrita por Freud em 1917. Quando uma massa se forma em torno de um líder, reforçamos identidades e crenças. Quanto mais nos identificamos com outros que pensam como nós, nos fechamos e nos espelhamos nesse grupo, ficando imunes à crítica. A massa não pensa. Basta olhar para a velocidade das fake news.

Essa identificação quase hipnótica segrega quem pensa diferente de nós: o amor ao líder e aos iguais é alimentado pelo ódio ao inimigo — fenômeno amplificado nas massas digitais. Tampouco aceitamos as privações às quais fomos submetidos na quarentena sem culpar alguém. Pois nossa relação com a cultura é ambígua: a mesma cultura que nos protege ameaça nossa felicidade.

Vivemos uma época em que não nos sentimos em casa, mesmo dentro de casa. Freud descreveu esse sentimento “infamiliar” de estranharmos o que nos é íntimo. E assim nossos conflitos se intensificam: a distância aumenta o amor, a proximidade aumenta o ódio. Sobreviver a estes tempos não é para qualquer um.

* Gilson Iannini é filósofo e psicanalista, professor da Universidade Federal de Ouro Preto (MG) e coordenador das Obras Incompletas de Sigmund Freud (Editora Autêntica), que contemplam livros como O Mal-Estar na Cultura e O Infamiliar

Continua após a publicidade


Vem aí a caneta inteligente de aplicação de insulina

Muita gente com diabetes tem de recorrer àquelas picadinhas diárias de insulina para exercer um controle adequado sobre a glicose. Isso pode acontecer tanto entre quem tem diabetes tipo 1 como no tipo 2. E é comum que as aplicações do hormônio sejam feitas três, quatro, cinco ou até mais vezes ao dia.

Imagine, então, essa rotina de espetar o dedo para medir a glicose de cinco a seis vezes ao dia, contar carboidratos em cada refeição, calcular a dose de insulina e aplicá-la em diversas ocasiões… Convenhamos que nem sempre é tarefa fácil manejar tanta informação, né? É aí que a tecnologia entra em cena a fim de facilitar o dia a dia do paciente.

Dentro dessa proposta encontramos a Smart Pen — ou caneta inteligente, em bom português. Destaque num importante evento médico sobre diabetes, ela se conecta com o smartphone e armazena uma porção de dados. Com isso, o paciente consegue se organizar melhor com o uso da medicação e avaliar a média de dose da insulina ao longo da semana e em diferentes refeições.

O dispositivo ainda pode ficar em comunicação com os aparelhos que medem a glicose. Assim, temos à disposição as curvas de glicose ao longo dos dias em um mesmo gráfico contendo as doses de insulina aplicadas. E tudo fica guardado na nuvem. O bacana é que todas essas informações podem ser compartilhadas com os profissionais de saúde para discutir eventuais ajustes no tratamento. Trabalho em equipe… E à distância!

Esperamos em breve a chegada da Smart Pen no Brasil, ainda mais em tempos de pandemia, quando a telemedicina se faz tão relevante no controle de doenças crônicas como o diabetes.

Continua após a publicidade


sábado, 26 de setembro de 2020

Fígado livre de gordura

Para povos antigos, caso dos babilônios, o fígado era considerado a sede da vida e da alma humana. Ainda que tal simbologia pertença ao passado, o papel desse órgão continua sendo louvado pela medicina do século 21. Ele desempenha centenas de funções, que vão desde a participação no processo digestivo e a eliminação de toxinas até o processamento de uma série de remédios. Fora isso, atua como reservatório de energia e na transformação de nutrientes. Tamanha versatilidade só perde para a sua resistência. O fígado pode ser castigado por anos a fio sem dar sinais. Entre as causas mais comuns desse sofrimento calado desponta um mal cujo nome científico não reflete sua popularidade na barriga das pessoas: a esteatose hepática não alcoólica.

A designação soa estranha, mas dissecá-la ajuda a entender: “esteato” indica sebo ou gordura, e o sufixo “ose” costuma se referir a doenças. Sendo direto e reto, é gordura no fígado! Ao ficar mais rechonchudo, esse órgão passa a sediar uma inflamação, que, aos poucos, debilita suas atividades e pode terminar em uma cirrose. Pois é, como a terminologia entrega, não é só o abuso de bebida alcoólica que é capaz de levar o fígado à falência. Estima-se que a esteatose acometa entre 25 e 30% da população adulta no planeta — percentual em ascensão, diga-se. “É uma epidemia silenciosa”, afirma a hepatologista Bianca Della Guardia, da Sociedade Beneficente Israelita Brasileira Albert Einstein, em São Paulo.

A incidência dispara conforme o mundo engorda. “Alterações metabólicas promovidas pelo ganho excessivo de peso, entre outros aspectos, favorecem o acúmulo de gordura nas células do fígado, os hepatócitos”, explica a gastroenterologista Nilma Ruffeil, do Hospital Moriah, na capital paulista. Não à toa, o emagrecimento é uma das principais estratégias para se livrar do distúrbio. O processo, entretanto, deve ocorrer de forma gradual, sem radicalismos à mesa.

Uma revisão de estudos publicada no periódico Nutrients revela que a perda de apenas 7% do peso já promove a redução de gordura no fígado. Para chegar a essa conclusão, os cientistas destrincharam mais de 100 pesquisas e esmiuçaram o papel do estilo de vida no combate ao problema. Como sempre, a dupla cardápio equilibrado e atividade física aparece como redentora. “Vale frisar que nenhum nutriente pode ser apontado como vilão nem herói”, pondera o nutricionista Dennys Cintra, que investiga o assunto na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp), no interior paulista. O equilíbrio é mais que bem-vindo para manter o fígado em forma.

<span class="hidden">–</span>Ilustrações: May Tanferri/SAÚDE é Vital

Outra vez o passado visita o presente nos assuntos do fígado. Hábitos milenares dos povos que vivem às margens do Mar Mediterrâneo são especialmente aclamados no controle da esteatose hepática. A chamada dieta mediterrânea aparece na revisão da Nutrients e também é destaque em um novo trabalho da Universidade de Sevilha, na Espanha, recém-publicado no periódico da Associação Internacional para o Estudo do Fígado. Considerado um patrimônio imaterial da humanidade pela Unesco, esse cardápio contempla cultura, ambiente, atividade física e, claro, comida, numa mistura de qualidade nutricional e muito prazer à mesa.

Nenhum ingrediente fica de fora desse menu. Há espaço para carboidratos, vindos especialmente dos grãos, mas também fornecidos por massas e pães caseiros no dia a dia. O azeite de oliva é uma estrela, trazendo gordura da melhor espécie. Pescados preenchem a lacuna das fontes de proteína. Frutas e hortaliças variadas enriquecem e colorem o prato. Acrescentemos, ainda, boas doses de atividade física — lá, ninguém fica parado. Fora as boas escolhas à mesa, sobram evidências de que abolir o sedentarismo da rotina dá um chega pra lá no excesso de gordura pelo corpo, inclusive no fígado.

Outra dieta mencionada no estudo espanhol é a Dash, sigla para Dietary Approaches to Stop Hypertension, ou, traduzindo, dieta para combater a hipertensão. Ela foi criada há mais de 20 anos por pesquisadores americanos com o objetivo original de ajudar no controle da pressão arterial. Mas segue surpreendendo por outros efeitos no organismo. A Dash já se mostrou capaz de facilitar a perda de peso, auxiliar no controle dos níveis de insulina e glicose no sangue e colaborar na manutenção das taxas de colesterol — um combo particularmente bem-vindo às artérias. Essa atuação conjunta também diminui o risco de desequilíbrios metabólicos por trás do estoque exagerado de gordura nas células hepáticas. A receita da Dash é bem parecida com a da mediterrânea: pegue uma porção de cereais integrais, adicione frutas, verduras, legumes, castanhas, carnes e laticínios magros e distribua pelas refeições, moderando no sal e no açúcar.

Ainda que esses dois modelos dietéticos tenham origem no Hemisfério Norte, não é necessário caçar ingredientes gringos para compor o prato amigo do fígado. “A sugestão é explorar a variedade e a beleza dos alimentos brasileiros”, recomenda o professor Dennys Cintra. Fica o convite para escapar da monotonia no cardápio, experimentando as riquezas nacionais. São muitas opções nutritivas, saborosas e mais acessíveis.

Os cientistas ainda chamam a atenção para o elo entre a saúde do fígado e a microbiota intestinal. A população de bactérias que habita nosso aparelho digestivo tem sido analisada em laboratórios mundo afora. “Na última década, ela passou a ganhar destaque no meio científico e clínico principalmente por seu papel no metabolismo”, comenta a nutricionista Camila Guazzelli Marques, que estuda essa história na Universidade Federal de São Paulo (Unifesp).

Pesquisas associam males como a obesidade, o diabetes tipo 2 e a esteatose hepática com o desequilíbrio entre certas bactérias que moram na gente, quadro conhecido pelos especialistas como disbiose. Para ajustar esse ecossistema, aumentando o contingente de micro-organismos benéficos, a indicação de Camila é priorizar o consumo de alimentos in natura e minimamente processados. Essa recomendação, inclusive, tem tudo a ver com cardápios plant-based, que, além de excluírem a comida de origem animal da rotina, restringem os industrializados.

<span class="hidden">–</span>Foto: Juliana Frug/SAÚDE é Vital

“Estudos associativos mostram que dietas livres de carne vermelha, ultraprocessados e afins favorecem a ação da insulina e promovem melhoras no organismo como um todo”, observa a nutricionista Gabriela Parise, da clínica NutriOffice, na capital paulista, e doutoranda em cardiologia na Universidade de São Paulo (USP). Em paralelo, há trabalhos apontando uma conexão entre a doença gordurosa no fígado e o consumo exagerado de gorduras saturadas e trans, além de açúcares, padrão sempre relacionado à chamada “dieta ocidental”.

A nutricionista Giovanna Oliveira, da Clínica Maria Fernanda Barca – Endocrinologia e Metabologia, em São Paulo, também é entusiasta de um espaço privilegiado para os vegetais. “Assim não vão faltar antioxidantes e compostos anti-inflamatórios”, justifica. A lista de benfeitores inclui a turma dos carotenoides (cenoura, tomate…), flavonoides (uva, chá-verde…) e tantos outros. “Dependendo dos alimentos, haverá sinergia entre as substâncias. Com isso, os efeitos serão potencializados”, defende Giovanna. No organismo, isso se traduz em menos inflamação para as bandas do fígado.

Continua após a publicidade

Aliás, fica um recado para quem riscou o suco natural da rotina por medo da frutose, o açúcar presente nas frutas. Jamais a laranja espremida na hora vai botar o fígado em risco. A bebida feita em casa e com bom senso não irá alcançar a quantidade de açúcar encontrada nas versões industrializadas em saquinhos e caixinhas. A lição do passado que continua atualíssima é: dentro do devido equilíbrio, qualquer alimento pode ser degustado sem o pé atrás… e o fígado na berlinda.

A seguir, veja a relação entre componentes da dieta e a gordura no fígado:

Carboidrato no devido lugar

Sem ele, sobra desânimo. Especialistas recomendam priorizar o tipo complexo, que demora a ser convertido em glicose, evitando picos de insulina. Assim, resguarda não só o fígado, mas pâncreas, artérias e afins. Suas fontes — tubérculos, raízes, frutas, cereais, grãos, massas e pães integrais — devem entrar em todas as refeições, na medida certa. A nutricionista Renata Juliana da Silva, coordenadora do curso Nutrição e Dietética Integrada ao Ensino Médio — Etec Uirapuru, em São Paulo, destaca a presença de fibras nesses alimentos e seus impactos positivos nos teores de moléculas gordurosas no sangue e no aumento da saciedade. “Esses efeitos contribuem para a redução de risco e tratamento de doenças crônicas”, diz.

Atenção ao açúcar: Vários estudos mostram que o consumo desenfreado do açúcar que entra na fórmula de refrigerantes e bebidas adoçadas, por exemplo, induz à estocagem de gordura no fígado. Não à toa, adolescentes e crianças, fãs desses produtos, não estão livres da esteatose hepática.

Gordura certa no prato

O macete é apostar nos melhores tipos para a saúde. A trans dos industrializados deve ser evitada a todo custo. As saturadas, que aparecem nas carnes e nos lácteos, pedem parcimônia, porque o exagero desencadeia inflamações e favorece o ganho de peso. Já as monoinsaturadas, que estão no azeite de oliva, abacate, gergelim e amendoim, são celebradas por colaborar no equilíbrio do colesterol. Outro grupo de gorduras prestigiado é o das poli-insaturadas. A mais estudada entre elas é o ômega-3. Pescados de águas profundas, como sardinha, atum, salmão e cavalinha, são seus grandes fornecedores.

Pequena notável: Para quem prefere os vegetais, o ômega-3 surge em sementes como chia e linhaça. Inclusive, a última já se mostrou eficiente no combate à esteatose hepática. “A sinergia de suas substâncias tem ação anti-inflamatória e ajuda a reduzir os triglicérides”, explica a nutricionista e fitoterapeuta Vanderli Marchiori, de São Paulo.

<span class="hidden">–</span>Foto: Juliana Frug/SAÚDE é Vital

Bem-vindas, proteínas

As de origem vegetal merecem ser enaltecidas. Leguminosas e companhia brindam o corpo com proteínas e fibras, num arranjo que colabora para frear o apetite, mantendo mais estáveis os teores de glicose e gordura na circulação. Lentilha, grão-de-bico, ervilha e soja incrementam o cardápio das mais variadas formas. Outra dica é alternar os tipos de feijão. Fradinho, carioca, preto, branco ou vermelho: são muitos sabores e cores. E, para contemplar todos os aminoácidos (os pedacinhos proteicos) essenciais à saúde, é importante acertar nas combinações. Aveia, arroz, milho, quinoa, entre outros cereais e pseudocereais, são ótimos parceiros das leguminosas. Prove ainda os cogumelos, que enchem o prato de proteínas e substâncias aliadas da imunidade.

Com que carne eu vou: Para quem não fica sem um bife, só não vale exagerar no tamanho e na gordura. O filé-mignon e o patinho são considerados cortes mais magros. Os nutricionistas também pedem para incluir os pescados no cardápio.

Probióticos pedem passagem

Bifidobactérias e lactobacilos: essa é a dupla que representa o que há de mais clássico quando se fala em probióticos. São micro-organismos do bem que povoam nosso intestino e estão presentes em alguns iogurtes e bebidas lácteas enriquecidas. Observe os rótulos e os nomes dos bichinhos. Há ainda suplementos que devem ser consumidos sob orientação profissional. A indústria quer aumentar o leque de alimentos com esses parceiros microscópicos. Mas o desafio é garantir que as bactérias consigam passar, vivas e em grande volume, pelo ambiente ácido do estômago. Na revisão publicada na revista Nutrients, alguns estudos mostram o impacto de probióticos no equilíbrio de glicose e gorduras em circulação, o que contribui para o combate à esteatose.

Não se esqueça dos prebióticos: São fibras especiais que alimentam e fortalecem as bactérias do bem. Respondem ainda pela formação de ácidos graxos de cadeia curta, turma de ação anti-inflamatória. Estão em aspargo, cebola, chicória e alho.

E o álcool?

A esteatose hepática não alcoólica, definição oficial da gordura no fígado, tende a ganhar nova nomenclatura. Um grupo de cientistas propõe que deva ser chamada de doença hepática gordurosa associada à disfunção metabólica. Eles elaboraram um relatório que acaba de ser publicado no periódico científico Journal of Hepatology.

Mas, ainda que a maior parte dos casos realmente tenha relação com a obesidade e as alterações nos níveis de insulina e triglicérides, estima-se que pelo menos 30% da incidência esteja relacionada ao consumo abusivo de bebidas alcoólicas. É que o álcool também induz a um maior armazenamento de gordura nos hepatócitos e promove inflamações. Sem contar que é um dos principais causadores de cirrose. Beber com muita moderação é, portanto, sempre a melhor pedida para preservar o órgão.

Continua após a publicidade


sexta-feira, 25 de setembro de 2020

O que aumenta o risco de um paciente com coronavírus voltar ao hospital

Entre os infectados com coronavírus (Sars-CoV-2) que vão ao pronto-socorro e recebem alta, 8,6% retornam ao hospital até sete dias depois por causa do agravamento dos sintomas. Ter mais de 40 anos e apresentar baixa oxigenação do sangue ou febre na primeira visita estão entre os fatores que favorecem essa recaída.

O achado foi feito pela Universidade da Pensilvânia, nos Estados Unidos, a partir dos dados de 1 400 pacientes atendidos entre março e maio. Todos compareceram ao pronto-socorro com suspeita de Covid-19 e foram dispensados após um atendimento emergencial — testes subsequentes confirmaram a presença da doença.

De acordo com o estudo, 4,7% desses indivíduos precisaram de hospitalização apenas três dias depois da primeira alta. Outros 3,9% voltaram até uma semana depois. Juntos, os números chegam a 8,6%.

Em comunicado à imprensa, Austin Kilaru, médico autor da pesquisa, diz que essa frequência de retorno é duas vezes maior do que a observada em outras enfermidades. Para ele, trata-se de um sinal de atenção.

“Isso não indica que os médicos do pronto-socorro estão tomando decisões erradas. Mas a Covid-19 pode ser imprevisível e se agravar rapidamente. Daí a necessidade de instruir bem o paciente a monitorar seus sintomas, especialmente os que sugerem maior risco de agravamento”, afirma.

A própria universidade possui um sistema baseado em mensagem de textos que realiza checkups diários com as pessoas afetadas pelas Covid-19. Isso para verificar se há indícios de piora na situação.

Fatores que predispõem a segunda internação

De acordo com a investigação, indivíduos acima de 60 anos estavam cinco vezes mais propensos a voltarem ao hospital. Entre os 40 e 59, o risco era três vezes maior. Isso tudo em comparação com voluntários de 18 e 39 anos.

A presença de febre na primeira ida ao pronto-socorro foi ligada a um risco três vezes maior de hospitalização subsequente. Já baixa oxigenação do sangue — medida por meio do oxímetro —, essa probabilidade foi cerca de quatro vezes mais elevada. Alterações no raio-x do tórax também sinalizam uma chance maior de ser readmitido no hospital.

Por fim, quando os cientistas compararam raça e gênero, não encontraram diferenças nas taxas. Isso é importante porque pessoas negras estão mais sujeitas a complicações de Covid-19 — mas não em decorrência de fatores biológicos, aparentemente. “A disparidade é estrutural, relacionada à maior taxa de infecções e às diferenças no acesso à saúde”, concluiu Kilaru.

Continua após a publicidade


Novas perspectivas para o tratamento da leucemia

A cada ano no Brasil são diagnosticados 10 800 casos de leucemia, como apontam dados do Instituto de Nacional de Câncer (Inca). Falamos de um conjunto de doenças do sangue que podem atingir pessoas em diferentes faixas etárias. E temos boas notícias para pacientes com dois tipos dessa enfermidade: a leucemia mieloide aguda (LMA) e a leucemia linfocítica crônica (LLC). Estudos publicados em duas das mais importantes revistas científicas do mundo, a americana The New England Journal of Medicine e a inglesa The Lancet Oncology, revelam que o uso combinado de certos medicamentos aumenta o tempo e a qualidade de vida de quem enfrenta as doenças.

O primeiro desses trabalhos analisou 433 pacientes recém-diagnosticados com leucemia mieloide aguda. A doença ocorre quando as células indiferenciadas da linhagem mieloide, que formam os glóbulos brancos, vermelhos e as plaquetas, apresentam uma anormalidade. A LMA é um dos tipos de câncer no sangue mais agressivos. Apenas 28% dos portadores sobrevivem pelo menos cinco anos.

Além de agressiva, essa leucemia é um dos cânceres mais difíceis de tratar, porque nem todos os pacientes podem se submeter à quimioterapia em função de idade mais avançada ou presença de comorbidades. E este era o caso dos pacientes incluídos no estudo batizado de Viale-A.

Publicada no New England, a pesquisa mostrou que o uso combinado de dois medicamentos, o venetoclax e a azacitidina, reduziu em 34% o risco de morte dos pacientes quando comparado à utilização conjunta de azacitidina e placebo (remédio sem princípio ativo, empregado para controle do estudo). A azacitidina é considerada o medicamento padrão-ouro no tratamento de pacientes com leucemia mieloide aguda inelegíveis para quimioterapia. E a aliança com o venetoclax se mostrou bem-sucedida.

Já o trabalho publicado no The Lancet Oncology trouxe os bons resultados de uma nova abordagem terapêutica para pacientes com leucemia linfocítica crônica. Esse câncer no sangue e na medula óssea tem progressão lenta e ocorre quando algumas células brancas do sangue, os linfócitos B, se tornam anormais e se multiplicam de forma desenfreada. A LLC é a forma mais comum de leucemia no Ocidente, sendo responsável por cerca de um terço de novos casos da doença.

O trabalho demonstrou que pacientes com a enfermidade que receberam por um período fixo uma combinação de medicamentos (venetoclax e obinutuzumabe) apresentaram taxas maiores de sobrevida livre de progressão de doença, avaliadas após 24 meses da suspensão do tratamento, em comparação a um grupo de pacientes que recebeu um tratamento-padrão com clorambucil e obinutuzumabe.

Os pesquisadores acompanharam por três anos  432 pessoas com leucemia. Durante o período, a taxa de sobrevida livre de progressão estimada da doença foi de 81,9% nos pacientes tratados com venetoclax e obinutuzumabe, ante 49,5% no grupo que recebeu a combinação de clorambucil e obinutuzumabe.

No Brasil, o medicamento venetoclax está aprovado para leucemia linfocítica crônica e leucemia mieloide aguda. A indicação mais recente foi para LLC, tendo sido aprovada em janeiro deste ano. Assim, temos boas notícias para compartilhar com os brasileiros que precisam tratar essas doenças.

* Angelo Maiolino é professor de hematologia da Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ) e coordenador de Hematologia do Américas Oncologia, no Rio de Janeiro

Continua após a publicidade