segunda-feira, 9 de novembro de 2020

Segunda onda de Covid-19 na Europa: devemos nos preocupar?

Embora no momento o Brasil apresente uma queda no ritmo de novos casos e mortes por coronavírus, a segunda onda na Europa está deixando algumas pessoas de cabelos em pé por aqui. Países como Bélgica, França, Inglaterra, Itália, Áustria e Alemanha já decretaram novas medidas sanitárias, fechamento de alguns estabelecimentos, toques de recolher… Há até lockdowns sendo impostos outra vez.

Em meio a tudo isso, um estudo de instituições espanholas e suíças mapeou uma mutação do Sars-CoV-2 que vem se espalhando pela Europa. Será ela a causa do recrudescimento da pandemia no Velho Continente? E, se não, o que está por trás disso? Vamos responder essas questões.

O coronavírus mutante e a segunda onda

Antes de tudo, é preciso ressaltar que a pesquisa que encontrou essa mutação ainda não foi publicada em qualquer revista científica. Logo, não passou pela revisão de cientistas independentes, algo considerado importante para validar suas descobertas.

No texto do artigo, os pesquisadores batizaram essa nova linhagem do coronavírus de 20A.EU1. Apesar de ter surgido na Espanha no verão de 2020 (que ocorre entre junho e setembro por lá), ela já foi encontrada em outros países europeus.

Mas atenção: essa não é a única cepa entre os novos casos da segunda onda. No país ibérico, ela de fato representa 80% das infecções atuais. Por outro lado, é responsável por não mais do que 10 a 20% dos casos sintomáticos em outras regiões.

“Ou seja, essa mutação está convivendo com outras, o que mostra que não trouxe tantas vantagens ao vírus”, conclui o infectologista Celso Granato, diretor clínico do Grupo Fleury. De acordo com o especialista, quando surge uma variação que se espalha com muito mais facilidade, ela tende a tirar o espaço de suas primas, já que infecta os hospedeiros antes.

“Isso ocorreu com o próprio Sars-CoV-2 e a sua mutação mais famosa, a D614G”, diz Granato. É essa cepa que o tornou capaz de se espalhar pelo mundo e causar tantos estragos.

Conclusão: embora a gente ainda não conheça bem a nova mutação, ela não parece explicar a segunda onda europeia. Pelo menos não por si só.

Então o que causou a segunda onda?

A rapidez com a qual esse Sars-CoV-2 mutante saiu da Espanha para outros países indica, na verdade, que o isolamento social já estava frouxo na Europa. Ou seja, a reabertura poderia ter sido mais cautelosa, de acordo com os experts entrevistados.

Há um consenso de que, dessa vez, os deslocamentos dos jovens europeus favoreceram bastante a disseminação da Covid-19. A abertura de locais de trabalho e de bares e outros locais de entretenimento colocou essa turma na rua, favorecendo o alastramento do vírus. “As pessoas jovens se expõem mais. E isso foi agravado pelo hábito europeu de usar bastante o transporte coletivo”, descreve Granato.

Desse modo, a doença encontrou um foco de indivíduos suscetíveis. De acordo com Granato, a pandemia inicialmente pegou mais pessoas idosas na Europa. Em outras palavras, a grande maioria dos jovens ainda estava suscetível ao vírus — e viraram um alvo fácil ao se aglomerarem em bares, escritórios, cinemas etc. “A rigor, não era preciso uma mutação para provocar a segunda onda”, diz o médico.

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Ensinamento número um: o retorno às atividades deve ser feito com muita cautela e medidas de segurança, a exemplo do uso de máscaras e do distanciamento social. O infectologista Marcus Lacerda, da Fundação de Medicina Tropical Dr. Heitor Vieira Dourado (FMT-HVD), acredita que essa é uma das razões pelas quais não houve até o momento um repique intenso na Ásia em geral. “Os asiáticos têm uma cultura de uso de máscaras e álcool em gel, o que os ajudou a controlar o vírus mais rapidamente”, argumenta.

Tudo disso não significa que a reabertura deve ser cancelada por completo no Brasil. Lacerda e Granato reforçam que o importante seria retomar a economia precisa pautando-se nos dados atuais e com foco nas medidas que minimizam o risco de infecções.

A situação no Brasil

Os profissionais de saúde consideram que a Europa está dois meses na frente do Brasil na pandemia. Daí porque é importante observar o que acontece por lá para desenhar o melhor plano possível por aqui.

Ao mesmo tempo, existem diferenças a serem consideradas. A primeira é a extensão das terras brasileiras. Atualmente, há regiões do país em estágios diferentes da curva de infecções.

Há ainda a questão do clima: o Hemisfério Norte está saindo do verão e entrando no inverno. E infecções respiratórias em geral tendem a se disseminar mais no frio, porque as pessoas ficam aglomeradas em locais fechados. “O fato de nós estarmos entrando no verão pode nos beneficiar”, destaca o infectologista. Só tenha em mente que, mesmo no calor, cidades brasileiras já foram duramente afetadas pala pandemia.

Granato elenca outra particularidade: o número de pessoas expostas à Covid-19. Ele, aliás, participa de um estudo que vem calculando quantos paulistanos já testaram positivo para o coronavírus. “Em São Paulo, 26% da população foi infectada, em média. Em Manaus, 66%. Já Madrid, um dos epicentros europeus da pandemia, teve apenas 11% da população em contato com o vírus. Ou seja, há maior risco de ele encontrar novas vítimas em boa parte da Europa”, compara.

Mas isso não significa que devemos baixar a guarda: seguir higienizando as mãos, mantendo distanciamento social e usando máscara são medidas fundamentais para impedir a propagação do vírus.

Lacerda frisa que, em um momento como esse, é normal as autoridades precisarem por vezes retroceder em seu processo de reabertura. Se os casos caem, dá para flexibilizar um pouco. Já se começam a subir, é preciso apertar os cintos mais uma vez. “Falar desse abre-e-fecha dá uma impressão ruim, mas a estratégia de relaxamento precisa ser revista todo dia mesmo”, aponta o especialista.

Aquela mutação pode atrapalhar a vacina?

Não sabemos ao certo como a cepa 20A.EU1 do coronavírus (que já sofreu outra mudança na França, inclusive) altera o comportamento desse agente infeccioso. No estudo europeu, a mutação ocorreu em uma região do vírus chamada de spike, ou espícula em português. “É a anteninha do coronavírus, que ele utiliza para se conectar com as células do hospedeiro”, explica Granato.

O fato é que essa mesma estrutura foi empregada na confecção de algumas vacinas, como a de Oxford. “Mas é preciso lembrar que a alteração ocorreu apenas em um pedaço dessa proteína. Então ainda há chances do nosso sistema imunológico reconhecê-la”, contextualiza Granato. No mais, outras vacinas se valem de outras tecnologias, então não há por que entrar em pânico.

Mais importante de tudo: uma das pesquisadoras que descreveu essa mutação, Emma Hodcroft, acha improvável que ela inviabilize as vacinas em desenvolvimento.

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