segunda-feira, 19 de outubro de 2020

Equipamentos com raios ultravioleta inativam o coronavírus?

Desde o início da pandemia de Covid-19, cientistas passaram a pesquisar novas tecnologias para enfrentar o novo coronavírus (Sars-CoV-2), como as máscaras e roupas antivirais. Outra invenção que tem sido testada são equipamentos que emanam radiação ultravioleta para desinfetar superfícies e ambientes. Mas será que isso realmente dá certo?

O microbiologista Lucio Freitas Junior, coordenador do Laboratório Phenotypic Screening Platform, do Instituto de Ciências Biomédicas da Universidade de São Paulo (ICB-USP), conta que o uso de raios UV com esse objetivo já era conhecido, principalmente em consultórios odontológicos. “Existem protocolos específicos para esterilização dos materiais dos dentistas”, relata.

O ultravioleta inativa vírus em geral modificando o material genético deles, o que os impede de continuar se replicando. Isso é diferente do efeito proporcionado pelo álcool gel e pelo sabão, que destroem a camada externa dos agentes infecciosos.

Só que não é qualquer radiação que funciona. Você provavelmente já ouviu falar dos subtipos UVA e UVB quando foi comprar um protetor solar. Eles são emitidos pelo Sol e, em excesso, provocam envelhecimento da pele, queimaduras e até câncer.

Já os equipamentos que estamos abordando recorrem aos raios UVC para eliminar germes do ambiente. Eles também são emanados pela luz solar, mas a maior parte fica retida na camada de ozônio.

Os raios UVC funcionam especificamente contra o coronavírus?

Com a pandemia, cientistas decidiram investigar essa questão. Uma pesquisa foi feita na USP e inclusive contou com a participação de Freitas. A equipe concluiu que, com a ação de lâmpadas de mercúrio irradiando UVC, mais de 99% das partículas virais de Sars-Cov-2 foram inativadas in vitro — ou seja, em placas isoladas no laboratório.

Ainda que existam evidências da eficiência dos raios UV diante do novo coronavírus, é importante ponderar algumas coisas. Em nota técnica publicada em agosto, a Agência Nacional de Vigilância Sanitária (Anvisa) pontua que pesquisas como essa foram conduzidas em condições muito específicas e controladas. Isso é diferente do que acontece na vida real.

Por exemplo: uma parede coberta com algum tecido não ficaria livre do Sars-CoV-2 mesmo após o uso de uma lâmpada UVC. Segundo Freitas, essa radiação não atravessa superfícies opacas, nem mesmo uma folha de papel sulfite. Salas muito grandes e a própria potência da lâmpada também influem no resultado.

Avaliar a eficácia (e a segurança) dessa tecnologia na vida real é importante para determinarmos seus benefícios reais. A Anvisa conclui sua nota dizendo que, para serem vendidos como desinfetantes de ambientes públicos e superfícies em geral, os apetrechos que emitem raios ultravioleta devem apresentar comprovação de eficácia contra a Covid-19.

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A startup paulista BioLambda é uma das que fabricam esse tipo de máquina. Eles comercializam câmaras de higienização de máscaras, dispositivos para limpar superfícies e purificadores de ar. Os dispositivos possuem laudos disponíveis no site.

Outro exemplo é a empresa Signify. Estudos realizados pela Universidade de Boston, nos Estados Unidos, indicam que as fontes de luz UVC dessa marca eliminam o Sars-CoV-2 em certas condições.

Há também a Meister Safe System, que esteriliza os ambientes através de um sistema de biossegurança. Diferentemente dos outros exemplos citados, a ideia é criar um projeto personalizado e completo para cada cliente, e não vender produtos avulsos.

Juliano A. Dillenburg, diretor técnico da Meister Safe, conta que eles levam em consideração as características de cada espaço (tamanho, material das paredes, circulação de pessoas etc). “Tudo isso é analisado para instalarmos equipamentos, luminárias e sistemas que emitem radiação UVC quando não há ninguém no ambiente”, complementa Dillenburg.

 

Uma dose de cautela

Antes de tudo, cabe deixar claro que receber raios UVC diretamente no corpo para eliminar eventuais vírus é uma péssima ideia. Freitas alerta para o perigo de queimaduras e danos irreversíveis na visão. “O grande problema é a questão da segurança. É um tipo de radiação que destrói as células”, afirma. Água e sabão já dão conta do recado.

De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS), a exposição prolongada aos raios UVC também pode gerar câncer.

O microbiologista do ICB afirma essa tecnologia não foi criada para uso doméstico. “Ela se mostra útil em grandes ambientes públicos, como shoppings, escolas e consultórios”, informa. Os raios, claro, devem ser aplicados fora do horário de funcionamento.

A Anvisa não recomenda esses instrumentos para limpeza das mãos, nem como estratégia única para desinfetar ambientes públicos e hospitalares. Em outras palavras, a higienização tradicional, com produtos aplicados nas superfícies, segue fundamental.

“Eles podem dar a falsa impressão de segurança. Imagine uma pessoa sem informação colocando raios UV direto no rosto? Temos que tomar cuidado”, avisa Freitas.

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